| CRÍTICAS | Veneciafrenia

Já toda a gente percebeu os problemas do turismo massificado, excepto os governantes portugueses. E o problema é tão evidente que já nem precisamos de ler um Javier Marías ou um Henri Lefebvre, é tudo visível a olho nu. E se mesmo assim houver quem achar que a especulação imobiliária, a homogeneização do comércio e a disneyficação do entretenimento das grandes cidades não é uma causa deste turismo maciço, basta coloca-os a ver este filme: Veneciafrenia.

Desde que entrou nos nossos radares, com o genial O Dia da Besta, que o espanhol Álex de la Iglesia se tornou num realizador bastante acarinhado. É que, além de raramente falhar, Iglesia é daqueles que teima em utilizar o terror como arma de arremesso para as suas críticas sociais. Álex de la Iglesia, salvo as devidas distâncias, uma espécie de Luís Buñuel que trocou o surrealismo (mas não tanto o absurdo) pelo fantástico.

Veneciafrenia é então uma sátira ao turismo massificado e agigantado e, como tal, Álex de la Iglesia fez questão de ir à origem do problema. Teria sido mais fácil fazer uma viagem doméstica até Barcelona, mas o espanhol preferiu antes fixar o seu filme em Veneza. Até porque isso permitiu-lhe também prestar homenagem a outro sub-género do terror: o giallo italiano. Contudo, este é mais uma piscadela de olho cinéfila, capturada sobretudo no óptimo genérico inicial, do que uma verdadeira inspiração.

Veneciafrenia é a história de um grupo de amigos que vai passar férias a Veneza, capturando logo um outro estereótipo (se bem que esse gesto pode ter sido involuntário): o do turista espanhol. É que todos naqueles grupo são extremamente irritantes, falando demasiado alto e não percebendo quando não estão a respeitar o espaço pessoal do próximo. Contudo, aquele que devia ser um fim-de-semana em que a única coisa a temer eram as ressacas, acaba por revelar outros perigos.

Assim que saem do cruzeiro que os levou até Veneza, o grupo é recebido por um ambiente altamente hostil, com uma grande manifestação dos locais contra os navios de grande dimensão. Contudo, o pior há de ser mesmo um sinistro arlequim, um misterioso médico com aquelas máscaras do tempo da peste negra e um perturbador pierrot. São eles a face visível de uma sanguinária seita que faz com que viajar pela Europa seja tão perigoso na Itália como no leste, movendo o foco de filmes como Hostel.

Quando associamos as palavras terror e Veneza pensamos inevitavelmente em Aquele Inverno em Veneza. No entanto, a abordagem de Álex de la Iglesia é bem diferente da de Nicolas Roeg. É que Veneciafrenia é um slasher e, como tal, é um filme mais pop, vibrante e energético do que o negro e psicologicamente duro Aquele Inverno em Veneza. Tem a sua dose de humor habitual, que é norma na obra do espanhol, e apesar de abanar no momento em que expõe a sua trama conspiraria, não deixa de ser uma óptima crítica social ao turismo de massas e, consequentemente, ao capitalismo, um divertido (e sangrento) slasher e um saboroso McBacon.

Título: Veneciafrenia
Realizador: Álex de la Iglesia
Ano: 2021

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