| CRÍTICAS | Batem à Porta

O cinema de M. Night Shyamalan está-se a tornar num daqueles espectáculos mórbidos, a que toda a gente acorre pelos motivos errados. Ou seja, já ninguém vai ver um dos seus filmes à espera de ver um O Sexto Sentido ou Sinais, mas sim para ver qual a patetice que vai pegar desta vez. É como, sei lá, os concertos do Jorge Palma antes de deixar o álcool, em que já ninguém ia verdadeiramente pela música, mas para ver onde é que a coisa iria parar dessa vez.

Batem à Porta começa com a calma antes da tempestade. Numa casa de campo, a pequena Kristen Cui entretém-se sozinha enquanto apanha gafanhotos. Um saco de músculos todo tatuado e bem assustador aproxima-se e, apesar dos modos cordiais, deixa-nos logo adivinhar que todo ele é bad news. É Dave Bautista, esse ex-lutador de luta-livre transformado em inesperado actor a sério e, com ele, vêm mais três indivíduos, todos a empunhar armas esquisitas, que os tornam ainda mais assustadores, por mais que defendam que são ferramentas. Kristen Cui refugia-se em casa com os dois pais (Jonathan Groff e Ben Aldridge) e trancam as portas. Não há rede nos telemóveis e alguém cortou a linha do telefone fixo. Quem terá sido?

Batem à Porta começa como um home invasion e é a sua melhor fase. Até porque, se há coisa que M. Night Shyamalan nunca fez mal, foi saber filmar. Doseia bem o suspense, sabe gerir o medo e controla bem os níveis de terror. O pior é o resto. É que a partir do momento em que os invasores entram em casa e amarram a família, o filme resvala imediatamente para o apocalíptico bíblico. Nada contra o tema, mas basta lembrar as outras vezes que Shyamalan experimentou esses terrenos para perceber que não são propriamente um bom agouro. O Acontecimento e Depois da Terra só não são os piores filmes do realizador, porque pelo meio há o desastre (esse sim, bíblico) de O Último Airbender.

Dave Bautista e os colegas explicam então as regras do jogo aos cativos: têm que decidir em conjunto um membro da família para sacrificar. Os captores vão-lhes dar tempo para ponderar e vão perguntar quatro vezes. Se, de cada uma dessas vezes, se recusarem a responder, uma praga se abaterá sobre a Terra. Tudo isso está muito bem explicadinho nas visões que aqueles quatro chalupas têm tido ultimamente. O que é aquilo? Uma seita? Um culto? Um bando de maluquinhos que fugiu do manicómio?

Enquanto que Ben Aldridge se mantém bem racional e lúcido, recusando toda aquela loucura, Jonathan Groff começa a morder o isco. É que, sempre que recusam nomear alguém para sacrificar, os raptores acendem a televisão e eis uma nova catástrofe global: uma pandemia mortal, um tremor de terra de proporções épicas ou os aviões todos do mundo a caírem que nem pardais. Será mesmo verdade ou é tudo encenado e não passa de um exercício cruel daquela gente estranha? O problema é que M. Night Shyamalan nem deixa a dúvida se instalar e dá logo a resposta: sim, é tudo verdade. Batem à Porta é uma alegoria bíblica, apocalíptica, e não vem para mais nada senão dar-nos a sua mensagem evangelizadora, como qualquer Testemunha de Jeová que batesse à porta (no pun intended). Batem à Porta é uma versão mais fantasiosa do Left Behind – A Última Profecia, aquela treta cristã sobre o arrebatamento em moldes de filme de género que o Nicolas Cage fez para agradar ao tio padre.

Além disso, como M. Night Shyamalan tem sempre a necessidade irreprimível de explicar todos os seus twists, também aqui não resiste a nos explicar o filme, tim-tim por tim-tim, não fossemos nós sofrer de trissomia 21 e não entender as referências bíblicas, os cavaleiros do apocalipse e essa agenda religiosa toda. Ou seja, quando Batem à Porta se resolve, já nem sabemos porque é que ainda o estamos a ver. Já o Happy Meal acabou há que tempos, o gelo da Coca-Cola derrete há uma eternidade e a barriga já está a dar horas, como que a dizer vá, manda lá vir outra coisa qualquer que isto já deu o que tinha a dar.

Título: Knock at the Cabin
Realizador: M. Night Shyamalan
Ano: 2023

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