| CRÍTICAS | Um Homem Chamado Otto

Comecemos por encarar de frente o elefante na sala, que toda a gente parece estar a ignorar propositadamente: afinal de contas, há quanto tempo o Tom Hanks não faz um filme de jeito? Hanks, juntamente com Keanu Reeves, é um dos actores mais queridos do mundo (ou da internet, que é mais ou menos a mesma coisa), graças a uma carreira feita de bons filmes e sem polémicas. No entanto, nos últimos tempos, parece decidido a arruinar esse crédito acumulado, com uma série de títulos inofensivos, sotaques esquisitos e até próteses desnecessárias. E em 2023 venceu inclusive um Razzie.

Foi uma sequência de filmes terríveis em 2022: Pinóquio, Elvis e este Um Homem Chamado Otto, que refaz um popular filme norueguês que venceu inclusive o Oscar para melhor filme estrangeiro há não muito tempo. O que é pena, porque Um Homem Chamado Otto marca oficialmente a entrada de Tom Hanks na meia-idade. É que este filme está para o acto assim como As Confissões de Schmidt estava para Jack Nicholson.

Aliás, há muitas semelhanças entre essa personagem de Jack Nicholson e o Otto, de Tom Hanks, um velhote com mau feitio, daqueles que se põe à janela a gritar com os putos por estarem a jogar à bola. O filme não nos dá logo o retrato completo de início, o que serve para irmos mudando de ideias acerca daquele rabugento à medida que vamos sabendo mais do seu passado. No entanto, a informação mais importante é este: Otto é viúvo, reformado e não tem amigos nem muito para fazer. Por isso, decide pôr termo à vida e ir reunir-se com a esposa, onde quer que seja que ela está.

Mas já sabemos como é, a vida normalmente tem outros planos para nós e, por isso, começa a colocar alguns empecilhos na vida de Otto, que não só interrompem sempre na hora h os seus planos suicidas, como o fazem começar a encarar as coisas de forma diferente. Primeira uma vizinha espanhola (Mariana Treviño) que grita muito, depois um gato vadio e a seguir um miúdo trans (Mack Bayda). Quer dizer, no final todo o bairro se aliará contra uns especuladores imobiliários, mas quem é que não odeia agentes imobiliários, não é?

Um Homem Chamado Otto é, portanto, uma história delicodoce, daqueles que os anos 80 produziram com uma perna às costas (lembram-se de O Milagre da Rua 8, em que uma comunidade também se aliava contra os especuladores imobiliários?), só que com a mesma subtileza de um elefante num morangal. As personagens são mais irritantes do que adoráveis (a sério que não nomearam Mariana Treviño também para o Razzie?), o realizador Marc Forster esforça-se demasiado para agradar (a personagem trans está lá claramente para mostrar como a tolerância de Otto é por todos os géneros, raças, credos e orientações sexuais, não fosse alguém duvidar) e, por isso, a redenção de Otto nunca é alcançada na plenitude, porque já há muito que deixámos de querer saber. Um Homem Chamado Otto é demasiado ilustrativo, com medo que o espectador não perceba que o mau-feitio de Tom Hanks era apenas uma camada de amargura para o proteger dos traumas do passado, algo que vimos logo à distância só de olhar para o cartaz do filme. Este Happy Meal foi mesmo o pior do annus horribilis de Hanks.

Título: A Man Called Otto
Realizador: Marc Forster
Ano: 2022

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