Hollywood sempre adorou ver-se ao espelho e falar de si própria. Nos últimos anos vamos abordagens mais livres, como o tributo de Quentin Tarantino ao cinema do final dos anos 60 (olá Era Uma Vez em Hollywood), outras mais descontraídas, como a homenagem dos irmãos Cohen ao período áureo dos 50s (olá Salve, César) ou ainda outras mais específicas, como o filme de David Fincger sobre a caça às bruxas e o código Hays (olá Mank). Mas nenhum desses é como Babylon.
Em termos de período histórico retratado, Babylon não é novidade. Este é um filme sobre a Hollywood do final dos anos 20, naquele período determinantes de transição do mudo para o sonoro. Há, por exemplo, Serenata à Chuva (que até é referido directamente em Babylon) ou O Artista, por exemplo. No entanto, a abordagem de Damien Chazelle é diferente, excessiva e exuberante, com um grande sentido musical (nem sequer admira, tendo em conta que o seu último trabalho foi La La Land, um musical reminescente dos musicais da época de ouro de Hollywood) e com uma cinefilia apurada. Babylon é como uma versão do Cinema Paraíso realizada por Baz Luhrmann.
No entanto, não há em Babylon qualquer pinga de nostalgia. Apesar de ser um filme sobre um período de transição e sobre um tempo que nunca mais o foi, Babylon é um filme celebratório. Além disso, pode prestar tributo ao cinema dos anos 20, nomeando-o inclusive directamente, mas o seu sentido de cinefilia estende-se até ao final do século XX. Chazelle tanto refere Casablanca como Exterminador Implacável 2, assim como recria a cena da overdose de Uma Thurman, em Pulp Fiction. Afinal de contas, a obra-prima de Tarantino já tem quase 30 anos, já o podemos começar a chamar de clássico.
Babylon começa no auge dos roaming twenties, época de autêntico deboche, especialmente em Hollywood. O filme inicia-se com Manny (Diego Calva), faz-tudo do produtor Jeff Garlin – mas que, na verdade, o que deseja mesmo é estar envolvido directamente na produção de filmes – a carregar um elefante colina acima para uma das suas míticas festas. É como Fitzcarraldo a transportar o barco pela Amazónia. E depois tudo rebenta num bacanal de arromba, com música, sexo e drigas à discrição, que faz O Lobo de Wall Street corar de vergonha. São mais de 30 minutos de exuberância non-stop, com overdoses, orgias e galinhas cocaínadas e Margot Robbie em altas, até surgir finalmente o genérico. Ou seja, o filme ainda nem sequer começou e já estamos cansados.
Babylon é assim um épico de 3 horas, mas que se vê num fôlego, como o último urra pelo cinema mudo de Hollywood. Depois deste não haverá mais nenhum filme acerca desse período. É também um filme coral, cujas personagens principais vamos conhecer logo nessa festa inicial. Margot Robbie é a aspirante a actriz que se torna em estrela maior, coleccionando sucessos da mesma forma que acumula escândalos (e dívidas ao jogo) – inspirada em Clara Bow, a it girl original e influência directa da pin-up Betty Boop; Brad Pitt é um galã mulherengo movido a coca, que terá dificuldade em vingar nos filmes sonoros porque a sua voz não condiz com a sua imagem – inspirado em John Gilbert, actor que, mesmo com a carreira a afundar-se, sempre foi o mais bem pago da carteira de activos da MGM; Jovan Adepo, um músico de jazz que saltará para a frente das câmaras assim que a música se tornar também numa estrela do cinema; e, claro, Diego Calva, que é a cola que une todas estas peças e que, por ser um desconhecido, serve como escape de todo o star power acumulado de um elenco cheio de nomes sonantes (mais Samara Weaving, Flea dos Red Hot Chilli Peppers ou Jake Gyllenhaal).
Existem figuras reais (como Elinor St. John (encarnada por Jean Smart), a famosa jornalista de Hollywood) e tantas outras fictícias, que contam à sua maneira e com liberdade criativa vários episódios reais da Hollywood desse período, que servem para montar um frasco vibrante dessa década muito importante para a mais famosa indústria cinematográfica do mundo. É certo que Babylon tem várias histórias dentro e que, no centro, está uma história de amor, dependência e poder. Mas retiradas todas essas camadas, Babylon é um filme sobre o cinema e sobre o poder redentor deste, sobre o amor as filmes e como estes moldam decisivamente as nossas vidas, apesar de serem apenas pedaços de celulóide.
É certo que há momentos melhores do que outros em Babylon. Afinal de contas, estamos a falar de um filme de mais de 3 horas – pessoalmente, dispensava os momentos escatológicos, já me bastou para isso Triângulo da Tristeza -, mas a forma como Chazelle mantém tudo com a mesma energia e relevância até ao final é a sua grande vitória. Isso e aquela montagem final, que concentra num minuto um século de cinema. Para quem não quer ver este Le Big Mac todo, pode passar directamente para esse momento e ficará igualmente bem servido.
Título: Babylon
Realizador: Damien Chazelle
Ano: 2022