Diz o adágio que filho de peixe sabe nadar e era só o que faltava começarmos a duvidar da sabedoria popular. No entanto, mesmo para quem está bem ciente dessa evidência empírica, olhar para o caso da família Cronenberg não deixa de espantar. Não é que não haja exemplos vários de filhos a seguirem as pisadas dos progenitores na história do cinema, mas nunca um filho continuou o corpo de obra do pai de forma tão directa como neste caso.
Infinity Pool, o novo trabalho de Cronenberg-filho, é mais um filme onde este flirta com o body horror (claro), mas também com o conceito e a ideia de corpo, a modelagem deste e a relação com a tecnologia. No fundo, é tal e qual o Crimes do Futuro, do Cronenberg-pai que estreou internacionalmente ao mesmo tempo. Para isso, Brandon Cronenberg cria uma ilha fictícia, com todo o seu folclore: La Tolqa, onde os locais utilizam nos seus mais rituais religiosos umas máscaras todas deformadas, que estavam mesmo a pedir um slasher feito à sua medida. É num resort luxuoso daqueles com tudo incluído que Alexander Skarsgård e Cleopatra Coleman vão passar umas férias. Ele num escritor frustrado, que não edita nada há 6 anos, em busca de inspiração; ela continua a financiar alegremente a vida de ambos, mas há o risco de a coisa se esgotar em breve.
Entretanto, o casal cruza-se com um outro, também de férias em La Tolqa: Jalil Lespert e Mia Goth. Skarsgård já tinha ficado hipnotizado pela energia sexual de Goth e, quando ela o reconhece e começa a elogiar o seu romance, fica também apaixonado. Com o ego inchado e a auto-estima em níveis que não atingia há muito, Skarsgård sente-se um homem novo. De tal forma que até aceita o convite para socializar com aqueles amigos novos.
É precisamente numa dessas actividades, em que os quatro saem do recinto controlado do resort, que algo vai fazer o filme acontecer. Esse episódio é uma morte casual por atropelamento e fuga. Skarsgård acaba levado preso, a polícia explica-lhe que, de acordo com a lei local, a pena é ser morto pela filha da vítima, mas acaba por tirar um coelho da cartola. É que, para não abdicar do seu potencial turístico, a ilha de La Tolqa oferece uma saída para casos destes. Os condenados podem pagar uma soma em dinheiro e é gerado um clone para ser sacrificado em seu lugar. Nem Ruben Östlund se teria lembrado de algo do género. Os super-ricos, mais uma vez, a encontrarem uma solução para um problema, ao cobrirem-no com dinheiro.
Rapidamente, Infinity Pool caminha de braços abertos ao encontro de toda a problemática da duplicidade, explorando os problemas éticos da clonagem, com todas as suas declinações sobre a culpa, consciência e moral. É que Skarsgård, ainda por cima, vai dar com uma espécie de clube secreto de ocidentais-brancos-ricos que, todos os anos, vão para La Tolqa e, perante a ausência de consequências, se entregam a uma existência de hedonismo extremo: sexo, drogas e, claro, homicídio, humilhação e crueldade.
Claro que já conhecemos suficientemente bem Brandon Cronenberg para saber que esta não vai ser uma viagem convencional por estes temas. Se houve algo que Antiviral e Possessor nos ensinaram é que Cronenberg-filho não é adepto das soluções mais óbvias e fáceis. Por isso, Infinity Pool mergulha numa trip com momentos altamente lynchianos, body horror cheio de fluídos e até alguma dose de esquisitice. Mas é uma esquisitice boa, daquelas em que até podemos não estar a entender nada do que estamos a ver, mas nunca perdemos a sensação de que aquilo é, de alguma forma, importante. E se compararmos Infinity Pool com o anterior Possessor, por exemplo, há aquilo um outro extra: Mia Goth, que começa a tornar-se num caso sério. Com momentos altamente psicóticos, é ela que confere a vertigem final ao filme, que nos vai deixar desequilibrados e descompesados. E o final em aberto não ajuda a sossegar esse estado de espírito. Quantos filmes nos fazem sentir este tipo de coisas? Se isto não é justificação para um McRoyal Deluxe então vocês é que estão enganados.
Título: Infinity Pool
Realizador: Brandon Cronenberg
Ano: 2023