Anna e o Apocalipse é um musical-de-zombies-de-Natal e a mistura de géneros faz-nos sorrir imediatamente. Afinal de contas, misturar terror e comédia (e música) parece ser algo parvo, que não tem nada a ver. Mas será mesmo? É que, se pensarmos bem, são vários os exemplos. E nem sequer vou falar de Canibal! O Musical, o filme inicial de Trey Parker e Matt Stone, mas antes de Festival Rocky de Horror (o musical camp que desconstrói o filme de terror e o creature movie) ou A Lojinha dos Horrores (esse nem sei como descrever).
No entanto, a grande referência de Anna e o Apocalipse será mesmo Shaun of the Dead, não só pela mesma origem (o humor britânico tem um ADN muito próprio), mas pela forma como utiliza um subgénero muito específico do terror para satirizar outros géneros. Neste caso é o filme de Natal e o filme de adolescentes. É que, depois de descascadas todas estas camadas, Anna e o Apocalipse é, simplesmente, um filme de iniciação, sobre uma jovem (Ellen Hunt) que só quer acabar o liceu para ir viajar, conhecer o mundo e, sobretudo, deixar para trás o lugarejo onde vive e o pai.
Anna e o Apocalipse surge ainda na ressaca de coisas como Glee ou High School Musical, com as suas cantigas formatadas ao radiofriendly e coreografias pouco imaginativas e derivativas. A excepção será, possivelmente, o solo que Marli Siu faz com It’s That Time of Year, uma canção erotico-friendly com o Pai Natal(!). Por isso, um musical em que as canções são um pouco esquecíveis não denota nada de bom. Mas pronto, há que dar o braço a torcer e reconhecer que Anna e o Apocalipse tem algo mais para oferecer.
Assim, por entre as dinâmicas do teen movie (adolescentes com as hormonas aos saltos, em que todas as situações são vividas no extremo do dramatismo ou da euforia), surge uma pandemia que transforma toda a gente que é mordida em comedores de miolos. O filme é consciente do seu próprio papel e, por isso, a palavra zombie é desde logo mencionada – apenas para ser refutada imediatamente por Anna: there’s no such thing as zombies. Há gore gratuito, mortes imaginativas e muita violência altamente estilizada, mas nada disso interessa realmente.
É como o filme de Natal, que só lá está para conferir ambiente. Na verdade, o coming of age é o verdadeiro tema de Anna e o Apocalipse e o zombie flick serve apenas como metáfora para essa iniciação. Por isso, Anna e o Apocalipse tem muito para dizer, se bem que não necessitava de hora e meia para o dizer. Pensando bem, já o tinha feito, na curta-metragem que deu origem ao filme. E que é bem melhor do que este Double Cheeseburger.
Título: Anna and the Apocalypse
Realizador: John McPhail
Ano: 2017