Por vezes, quando me vou deitar e estou ali naquele momento antes de pegar no sono, reflectindo sobre a vida de mim para mim, penso que se calhar não damos o devido valor que William Castle merecia. Ou, pelo menos, na mesma medida com que o fazemos com Roger Corman. É que, juntamente com este, Castle ajudou a criar e a definir todo um conceito de cinema de série b e de sub-géneros importante, da ficção-científica ao terror.
A culpa foi dos truques e gimmicks que criou muitas vezes para promover os seus filmes, acabando por ser reduzido a esses truques. Como por exemplo o percepto, utilizado no The Tingler, de que vos escrevo nestas linhas. De forma muito resumida, o percepto consistia em colocar uma série de pequenos motores nos bancos do cinema, para que estes vibrassem em momentos-chave do filme, assustando as pessoas. O que fazia todo o sentido num filme chamado The Tingler (o formigueiro, caso este tivesse tido lançamento comercial em Portugal e alguém tivesse traduzido directamente o título).
The Tingler é então a história de um cientista genial (Vincent Price), fascinado e obcecado pelo medo e como este afecta os seres humanos, que chega à conclusão que esse é provocado por um animal que vive dentro de nós e que se manifesta na coluna vertebral em situações de pânico ou estresse. Daí o tal arrepio na espinha… A forma de o matar é gritando e, por isso, é que as pessoas gritam quando têm medo. Assim, a missão de vida de Vincent Price passa a ser encontrar uma forma de conseguir capturar essa criatura. Spoilers: e vai consegui-lo.
Antes desse pequeno momento de body horror, já perto do final, The Tingler vai desenrolar-se forma muito tranquila e até racional, com muitas explicações pseudo-científicas para justificar o tal bicho. E, paralelamente a isso, decorrem mais dois sub-enredos, que podem ou não vir a ser importantes para a trama principal do filme. O primeiro é o de Vincent Price e o da mulher (Patricia Cutts), cujo relacionamento está a dar as últimas e ela aproveita para sair diariamente com outros homens, sem que ele faça propriamente nada acerca desse assunto. E o segundo é o da cunhada (Judith Evelyn), que namora com o assistente de Price num relacionamento que a irmã desaprova e que, por saio, coloca em causa o dinheiro de uma herança.
Como em qualquer série b, The Tingler despacha tudo isto com grande economia narrativa. Basta ver como, por exemplo, entra na história Philip Coolidge, o dono de uma sala de cinema de filmes antigos, e a sua esposa sem cordas vocais (e, por isso, incapaz de gritar… estão a ver onde é que isto vai parar, não é?). Vincent Price está a fazer uma autópsia e Coolidge entra no consultório e fica a ver sobre o ombro. Não se preocupa, estou só a ver. Eu sou da família. Bum, grande amizade forjada no momento. Ou então como este anda com o corpo da mulher morta dentro do carro, levando-a ao médico – veja lá o que ela tem, doutor – e depois de volta para casa – não se mace, doutor, eu levo-a para casa e amanhã logo a vou enterrar.
A diferença é que The Tingler não é The Room e tudo isto é feito com honestidade, que lhe dá outra legitimidade. E antes de Steven Spilelberg pôr meninas com casacos vermelhos num filme a preto e branco, já William Castle fazia o mesmo. Na cena determinante do filme, em que a mulher sem cordas vocais morre de susto, o sangue é vermelho vivo, apesar do filme ser a preto e branco. Ah, e The Tingler é também o primeiro filme a mostrar uma trip de LSD. São várias as razões para isto ser uma obra de culto, um McChicken e um dos melhores trabalhos de William Castle.
Título: The Tingler
Realizador: William Castle
Ano: 1959