Uma das características mais unânimes da sociedade moderna é que vivemos tempos de ideias extremadas. Ou seja, ou se ama ou se odeia, não há cá meio termos. Tomemos, por exemplo, a inteligência artificial, outro tópico que está bem na moda. De um lado está todos aqueles que acham que a IA vai mudar o mundo (para melhor), terminar com o trabalho monótono e contribuir para a paz mundial, ao mesmo tempo que querem sacar um bico ao Elon Musk. Do outro lado estão todos aqueles que acham que a IA é o primeiro passo para a ascensão das máquinas e para que o Exterminador Implacável se torne num documentário. Todos os outros, aqueles que acham que a IA não vai melhor significativamente a vida da população em geral, mas que acreditam no seu potencial enquanto ferramenta eficiente, ficam de fora da equação.
Os Substitutos é o espelho desta situação em formato de filme. Tem ainda o trunfo de ter antecipado este discussão em mais de uma década, já que data de 2009 (adaptando a banda-desenhada homónima). O filme passa-se num mundo não muito distante, distópico e hipotético, em que cientistas inventaram uns corpos biónicos substitutos que qualquer pessoa pode usar no dia-a-dia, enquanto estão em casa a descansar, ligados a uma máquina. De repente, acabou-se o crime, o racismo e a pobreza. Lol. Tantas perguntas aqui. Mas vamos tentar acreditar que seria isso que aconteceria nesse caso. Por isso, logo a seguir vêm os opositores dessa ideia, liderados pelo Profeta (Ving Rhames em modo Bob Marley), que defendem – num misto de hippies new-age com fanatismo religioso – que é tudo contra-natura e que a única solução para um futuro longe da perdição humana é a renúncia total às máquinas.
Ou seja, ou tudo ou nada. Nunca aparece uma voz ponderada, que defenda que esses andróides substitutos podem ser uma boa opção para certas ocasiões, mas que é necessário regulação e controle. Os Substitutos aproveita então este maniqueísmo de preto e branco para ensaiar a milésima luta do Bem contra o Mal. O filme mostra-nos mais do que uma vez que a Humanidade passou a ser altamente hedonista e toda a gente é linda de morrer, mas nunca se digna a explicar como é o sexo entre dois desses substitutos. Isso é pensar em demasia, eu sei, e Os Substitutos é demasiado simplista (e preguiçoso) para se debruçar sobre isso.
Não que isso seja necessariamente mau. Afinal de contas, Os Substitutos é um série b assumido e toda a gente sabe que a economia narrativa é uma das características do cinema xunga. Mas o filme substitui rapidamente qualquer ideia que tem por uma perseguição, um tiroteio ou uma cena de pancadaria (ou as três ao mesmo tempo), ainda por cima com um CGI manhoso, como se nos quisesse distrair de todos esses buracos de argumento.
Os Substitutos é então um proto-neo-noir, com um polícia (Bruce Willis) pertinentemente cansado da vida escondido atrás de um ciborgue e a sofrer com o trauma recente da perda de um filho, que vai tentar descobrir quem anda a matar pessoal com uma arma futurista que destrói o avatar e frita o cérebro do seu utilizador ao mesmo tempo. Portanto, Os Substitutos é uma versão do Blade Runner – Perigo Iminente encomendada na Wish. E para esses casos – ao menos que sejam propositados -, só temos uma solução: um Happy Meal.
Título: Surrogates
Realizador: Jonathan Mostow
Ano: 2009