Christopher Nolan construiu uma reputação quase inabalável à conta de dois filmes ultra-cerebrais, que são eles próprios um dispositivo que o espectador necessita de desmantelar para o entender plenamente. A Origem foi o auge desses dispositivos, Tenet levou-o longe de mais e, antes, até já tinha havido Memento. Agora, em Oppenheimer, Nolan atira-se à biografia do homem que criou o mais importante dispositivo do século XX: Robert J. Oppenheimer, o pai da bomba atómica.
Oppenheimer não é um biopic tradicional, uma vez que não se limita à simples acumulação de factos sobre a vida e obra do retratado. Nolan procura também entra na sua cabeça e ilustrar o que por lá se passa, com uns inserts de explosões, partículas e reacções em cadeia. Ainda recentemente vimos algo parecido em A Vida Extraordinária de Louis Wain, o biopic de Louis Wain. E também aí a coisa não se revelava particularmente feliz.
Oppenheimer é bem mais interessante na forma como procura entender o dilema da bomba atómica e, simultaneamente, o do próprio Oppenheimer. Aquele que foi considerado pela revista Time como o homem mais importante do mundo foi uma figura controversa e cheia de contradições. E o filme procura ilustrar isso, sem querer fazer julgamentos. E o principal dilema é o da própria bomba atómica: terão sido os episódios de Hiroxima e Nagasaqui realmente necessários para evitar mais mortes ou essa é uma irresponsabilidade para imputar ao físico, em particular, e aos Estados Unidos em geral?
Essas zonas cinzentas são o melhor de Oppenheimer, se bem que há de fazer com que o filme culmine num filme de tribunal a partir das explosões no Japão, que é realmente maçador. É mais interessante quando essa discussão é personificada na figura de outros físicos famosos, que surgem aqui num crossover que é o equivalente a Os Vingadores para os maluquinhos da ciência: Albert Einstein (Tom Conti), a quem Nolan não consegue (nem sequer tenta, aliás) retirar aquela carga oracular que a internet se encarregou de projectar a traço grosso; e Niels Boht (Kenneth Branagh com um ridículo sotaque dinamarquês), a lembrar-nos que ele sim, realmente merece um biopic e urgentemente!
Oppenheimer é um filme enorme e massivo, tão grande que nem sequer coube no ecrã e obrigou Christopher Nolan a filmar em Imax. Era necessário isso num filme de palavras e muitas cabeças falantes? Claro que não, mas esse é apenas mais um dos vários tiques manipuladores do filme. Outro exemplo desse exibicionismo desnecessário é o preto e branco que uma certa parte da história carrega. É certo que nessa realidade temporal o foco e a perspectiva são antes as de Lewis Strauss (Robert Downey Jr.), o director da Comissão de Energia Atómica norte-americana, e não as de Robert Oppenheimer, mas não há propriamente nada que justifique essa alteração pictórica além de presunção e show off.
Christopher Nolan quer que Oppenheimer seja o filme mais importante de sempre e, para isso, filma-o com grande intensidade. Contudo, a sua ideia de intensidade passa por exagerar na banda-sonora e filmar tudo a grande velocidade. Não há nenhum plano que não tenha menos de 5 segundos e não há nenhum desses planos em que não aconteça nada. Há sempre algo, nem que seja um simples movimento de câmara. Não admira que depois o Cinema Xunga o chame do Kubrick dos Fast and the Furious, se bem que Nolan é a total antítese do formalismo kubrickiano. Mas a verdade é que Oppenheimer é capaz de ser o pior Double Cheeseburger do realizador. Até o Tenet é melhor, com todos os seus buracos de argumento. Ao menos é mais divertido e menos sisudo.
Título: Oppenheimer
Realizador: Christopher Nolan
Ano: 2023