Depois do Irão (olá A Lei de Teerão) é a vez do Egipto importar o cinema de género de molde norte-americano (neste caso, o thriller político) para o seu próprio cinema. Quer dizer, tecnicamente A Conspiração do Cairo é um filme sueco (o realizador Tarik Saleh é cidadão da Suécia, onde nasceu, filho de mãe sueca e pai egípcio) e foi filmado na Turquia (depois do realizador ter sido considerado persona non grata no país à conta do seu título anterior), mas no corpo e alma é um filme egípcio. Aliás, é um filme islâmico.
Para compreender A Conspiração do Cairo há que compreender, primeiro que tudo, o que é Al-Azhar. E, para isso, até há um cartão inicial com uma breve explicação, que introduz logo o filme a uma audiência internacional. Al-Azhar é a segunda mais antiga universidade do mundo e considerado o farol do mundo islâmico, que se mantém secularmente independente e fora da alçada do poder político, apesar das várias tentativas dos diferentes regimes ao longo dos anos. E é em Al-Azhar que é escolhido o Grande Imã, o seu líder espiritual, que está para os sunitas assim como o Papa está para os católicos apostólicos romanos, se quisermos fazer uma equivalência.
É precisamente o Grande Imã que morre logo a abrir o filme. E o seu processo de substituição lança os dados para uma enorme e complica teia política, com muitos interesses escondidos, segredos e sangue derramado. O que ninguém esperava é que Adam (Tawfeek Barhom), um caloiro pescador acabado de chegar, não só fosse atirado para o olho do furacão, como se fosse tornar numa peça-chave desse processo.
A Conspiração do Cairo é assim O Nome da Rosa islâmico. Primeiro, é preciso descodificarmos certos signos a que não estamos habituados – as orações, o ritual do chá, etc. -, mas rapidamente nos instalamos nessa nova linguagem cinematográfica, que não é mais do que uma reciclagem dos códigos do thriller político de Hollywood para um novo contexto socio-cultural. E, por isso, tudo aquilo acaba por nos soar totalmente familiar.
Há ainda um tom paranóico que lembra os filmes políticos dos anos 70 de Hollywood e a ascensão social de Adam dentro desse jogo social subterrâneo faz lembrar Um Profeta, se bem que a mesquita Al-Azhar substitui aquilo a prisão. E, no fim, nem sequer há vencedores. Tarik Saleh mostra-nos como nas conspirações e nas intrigas deste género ninguém sai vencedor. É como nas guerras. Por isso, A Conspiração do Cairo acaba por ser um filme quase amoral. É uma óptima variação do McBacon, versão halal.
Título: Walad min al-Janna
Realizador: Tarik Saleh
Ano: 2023