| CRÍTICAS | Assassinos da Lua das Flores

Nos últimos anos, Martin Scorsese tornou-se numa espécie de último bastião do cinema de autor numa guerra imaginária entre o cinema verdadeiro e o cinema de massas personificado pelos filmes de super-heróis da Marvel. Ter-se manifestado verbalmente contra esse cinema descartável e feito a metro ajudou-o ainda mais a consolidar um estatuto erguido à conta de uma filmografia mais ou menos impecável e, claro, da sua idade respeitável: são 80 anos imparáveis e frenéticos, em que continua a realizar e a produzir a um ritmo que só tem comparação nos (também seus amigos) Rolling Stones. que curiosamente também acabam de lançar mais um álbum novo.

Por isso, parece ser de propósito que os últimos filmes de Martin Scorsese venham a ser cada vez mais longos, como se fosse uma resposta a essa luta contra o blockbuster. Não é que os filmes da Marvel não sejam também cada vez maiores, mas enquanto esses são inflados de fogo-de-artifício, filmes como O Irlandês ou Silêncio têm outro andamento, outra respiração e outro conteúdo. Por isso, depois desses dois, este novo Assassinos da Lua das Flores chega às três horas e meia, que são dificilmente justificadas. Mas mais curioso ainda é Scorsese terminar esse filme com um plano de drone, esse flagelo do cinema do século XXI…

Assassinos da Lua das Flores (não confundir com A Tragédia da Rua das Flores, do Eça de Queiroz) é a história verídica da tribo ameríndia Osage, que no início do século passado se tornou no povo mais rico do mundo depois de descobrirem petróleo nas suas terras. Parecia que era o karma a compensa-los pelo passado de perseguição, matança e expulsão dos seus terrenos pelos colonos norte-americanos, mas rapidamente o capitalismo (e a ganância pelo dinheiro e pelo poder) se prestou a lembrar que não tarda e que não deixa vítimas. Ao longo dos anos, vários indígenas Osage forma sendo assassinados das mais variadas formas, numa espécie de conspiração para elimina-los e deixar os direitos de exploração do dinheiro do petróleo à mercê dos brancos, que tardaram a ser investigados por causa do racismo estrutural que tudo ignora sempre que a vítima é um pouco mais escurinha.

Assassinos da Lua das Flores tem assim tudo para ser um thriller policial e não lhe faltam os códigos e os sinais do film noir e do filme de gangsters. Afinal de contas, a violência e a corrupção são uma das marcas do cinema de Scorsese, que repisa recorrentemente as suas pegadas. Só que o filme tem como peça motriz Leonardo DiCaprio, uma personagem de duas faces, que regressa a Oklahoma depois da guerra para se instalar. Por um lado, DiCaprio é o sobrinho de Robert De Niro, um branco ricaço que se estabeleceu na zona fazendo negócio com ambas as partes e ajudando-os mutualmente a prosperar, se bem que, nas sombras, ele é o verdadeiro vilão desta história; por outro lado, DiCaprio acabará por se casar com Lily Gladstone, uma indígena local com uma herança considerável, e assim tornar-se também parte da família Osage.

Leonardo DiCaprio é assim uma personagem dúbia, dividida entre a necessidade de manter a honra e a confiança do tio e o amor à esposa e à sua nova família. Isso transforma Assassinos da Lua das Flores num drama dividido e problemático em vez do simples thriller policial, se bem que na última meia-hora este abraça com os dois braços o género. Assassinos da Lua das Flores é uma espécie de lado b de outro filme de Martin Scorsese, Gangues de Nova Iorque, que também se debruçava nessa ideia de fundação dos Estados Unidos sobre o sangue derramado, a corrupção e a bandidagem. Nada de novo, portanto, vindo de um realizador que sempre explorou o ADN violento da América, especialmente a partir da sua herança italo-americana.

Assassinos da Lua das Flores é assim uma saga do Oeste norte-americano, como uma versão mais violenta do Lendas de Paixão, feito por um Martin Scorsese que está cada vez mais calmo, contido e ponderado. O próprio realizador até revelou a sua inspiração nos filmes de Ari Aster, com o seu ritmo calmo e reflexivo. Longe vão os tempos dos seus filmes de gangsters cocainados… E depois de reunir Robert De Niro e Al Pacino no anterior O Irlandês, Scorsese volta a fechar um círculo, desta vez ao reunir pela primeira vez os seus dois actores-fetiche: o próprio De Niro e Leonardo DiCaprio. Assim, Assassinos da Lua das Flores pode não vir salvar o cinema ou reinventar a roda, como muita gente queria do alto do seu snobismo, mas é um belo McBacon, que é mesmo o melhor dos últimos títulos de Scorsese.

Título: Killers of the Flower Moon
Realizador: Martin Scorsese
Ano: 2023

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