A ascensão das máquinas não é uma temática nova e até é uma das mais queridas da ficção-científica. No entanto, ganhou um novo impulso nos últimos tempos, graças aos avanços na tecnologia da inteligência artificial. Por isso, a chegada de um filme como O Criador ganha dupla pertinência, até porque estreou em plena greve dos argumentistas de Hollywood, em luta por melhores ordenados perante a ameaça da AI.
O Criador passa-se então num futuro distópico não muito distante, em que a AI, liderada pela entidade Nimata, fez explodir uma bomba atómica em Los Angeles, dizimando a população local. Os Estados Unidos não só baniram a AI, como declararam guerra a todas as entidades artificiais, o que significa manter uma guerra aberta com a Ásia, que continua a conviver pacificamente com máquinas e robôs em tudo semelhantes aos humanos, que até dormem e comem (porquê?).
Podemos estar no domínio de O Extreminador Implacável, mas o mundo que o realizador Gareth Edwards cria lembra muito mais o de Distrito 9, com máquinas em vez de extraterrestres. Por um lado porque está mais próximo do mundo real e, por outro, porque a metáfora funciona (pela enésima vez) com a natureza imperialista dos Estados Unidos. E, claro, americanos a guerrear na Ásia vai sempre lembrar o Vietname. Só que aqui, o sinal dos tempos está na banda-sonora: em vez dos Creedence Clearwater Revival ou o Jimi Hendrix, as cenas de investida dos helicópteros fazem-se ao som do Kid A, dos Radiohead.
O Criador recicla assim uma série de filmes, mas nada disso nos importa quando soa a novo. A seguir surge então John David Washington, um antigo agente infiltrado a sofrer ainda o trauma da perda precoce da esposa grávida (Gemma Chan), que vai ter a segunda oportunidade para destruir Nimata. Só que a sua missão vai acabar por ser uma jornada pela sobrevivência, atrelado a uma criança-robô que é simultaneamente uma arma poderosa a que todos querem deitar a mão. O Criador é então o Mandalorian, o The Last of Us ou, sobretudo, O Menino de Oiro, com Washington a assumir o papel de figura paternal ausente na vida daquela…. máquina-criança.
Tudo isto serve então para reflectir sobre a ideia de humanidade, enquanto Gareth Edwards vai preenchendo os espaços em branco com imagens soltas de animais selvagens ou da vida mundana da cidade. É uma ideia de solenidade que Edwards vai buscar directamente a Christopher Nolan e que, quando o filme começa a rodar em seco, faz com que comece apenas a passar apenas uma ideia de petulância.
É verdade que O Criador tem muitas ideias, se calhar até demasiadas, mas é muito mais forma do que conteúdo. E é uma forma bem bonita, reconheça-se. Mas quando começamos a perceber que não passa de meia-dúzia de clichés, o filme começa a esgotar-se rapidamente. E nós não conseguimos deixar de reparar em todas as ideias recicladas. Aos títulos já mencionados anteriormente acrescente-se o Apocalypse Now, o Lua de Papel ou o Blade Runner – Perigo Iminente.
Depois de uma primeira parte promissora, O Criador termina como qualquer outra pipocada, com naves a explodirem, heróis a redimirem-se num círculo narrativo (demasiado) perfeito e tearjerker forçado (e sublinhado a traço grosso pela banda-sonora de Hans Zimmer). Seria espectacular que Gareth Edwards revelasse agora que essa parte do filme foi escrita por uma entidade de inteligência artificial e assim tudo fazia sentido, completando mais um círculo perfeito. Infelizmente parece que não, foi mesmo escrito por mão humana e várias pessoas aprovaram-no. A esta velocidade, Gareth Edwards vai desperdiçar o crédito acumulado com o seu óptimo filme de monstros sem monstros, Monsters – Zona Interdita, e depois não há McChicken que o salve.
Título: The Creator
Realizador: Gareth Edwards
Ano: 2023