| CRÍTICAS | Vinte Mil Léguas Submarinas

No outro dia escrevi aqui sobre As Aventuras de Rocketeer, o primeiro filme de heróis da Disney, antes da monocultura do Universo Cinematográfico Marvel. No entanto, depois de ter publicado o texto, sentei-me a pensar e apercebi-me do quão distraído consigo ser às vezes. Obviamente que não é esse o primeiro filme de heróis da Disney. O primeiro foi Vinte Mil Léguas Submarinas.

O filme, que data de 1954 e que foi um projecto pessoal do próprio Walt Disney, a primeira longa da empresa a ser distribuída nos Estados Unidos pela própria Buena Vista Distribution e um dos primeiros filmes filmado em CinemaScope, adapta o livro homónimo de Júlio Verne, o pai da ficção-científica. Por isso, é naturalmente um filme de aventuras, que seguia o molde das matinés de capa e espada ou dos peplums, mas com um toque de educação científica.

Para quem viveu num buraco até aos dias de hoje e não conhece a história, Vinte Mil Léguas Submarinas é a história de um cientista brilhante (Peter Mason), do seu fiel companheiro (Peter Lorre) e de um marinheiro tão bebedolas quão corajoso (Kirk Douglas) que, depois de serem os únicos sobreviventes de uma expedição científica pelos mares do oceano Pacífico para descobrirem se é mesmo um monstro que tem levado a que vários barcos se afundem misteriosamente na zona nos últimos tempos, acabam resgatados e acolhidos pelo submarino do capitão Nemo (Paul Lukas). Nemo e a sua tripulação vivem numa espécie de irmandade no interior do Nautilus, esse submarino inovador e que no filme é movido a energia nuclear (que acabava de ser revelada ao mundo um par de anos antes e que antecipava aqui a ameaça que ia ser nos anos seguintes), completamente autónomos do mundo e da sociedade, que odeiam pela sua falta de humanidade.

No fundo, Vinte Mil Léguas Submarinas é um filme de aventuras, que explora o desconhecido do mar (um território tão inexplorado que apenas é ultrapassado pela vastidão do espaço – e que Júlio Verne também haveria de explorar num dos seus outros clássicos, Viagem à Lua) e que tem o seu momento alto na famosa batalha contra uma lula gigante. É uma cena incrível, especialmente tendo em conta o ano em que foi feito e as limitações dos efeitos-especiais, que coloca Richard Fleischer (realizado altamente subvalorizado, que merece ser reconhecido, nem que seja por ser o tipo que fez o À Beira do Fim) como um digno percursor de Os Argonautas.

Contudo, Vinte Mil Léguas Submarinas é muito mais que isso. A história antecipa o movimento ecológico e as preocupações pelo movimento antropoceno e cria também uma metáfora política forte, que no filme pode ser vista como uma crítica ao imperialismo, ao expancionismo e a todas as formas de segregação social. Por isso, da mesma forma que Júlio Verne continua a ser um autor visionário e intemporal, Vinte Mil Léguas Submarinas mantém-se como um filme actual, nada datado e que envelheceu bem.

Além de todo o espectáculo do CinemaScope, dos cenários ficção-científica meio-barrocos do interior do Nautilus (e com o capitão Nemo a tocar orgão de tubos, que máximo seria se fosse o In-A-Gadda-Da-Vida, dos Iron Butterfly) e dos planos de corte do fundo do oceano Pacífico, com toda a sua fauna exótica que parecem saídos directamente de qualquer episódio da vida selvagem dedicado ao fundo do mar, Vinte Mil Léguas Submarinas tem ainda um elenco de luxo, onde se destaca Kirk Douglas. Não é ele o protagonista da história, mas é ele quem dá cor e vida ao filme. Douglas, que na altura foi o actor mais bem pago de sempre num filme da Disney, era uma das estrelas máximas de Hollywood em 1954 e mostra aqui toda a sua versatilidade: abre o filme agarrado a duas miúdas, enquanto soca um tipo na rua, numa cena que pediu expressamente para manter a sua imagem máscula e de mulherengo; tem um número musical em que canta e toca viola, mostrando ao Dean Martin que podia fazer o mesmo; e ainda é capaz de passar cenas a contracenar com uma foca(!). É impossível não gostar de Vinte Mil Léguas Submarinas, porque não há aqui nada para não gostar. É como um McBacon: o que há para não gostar de um hamburguesa no pão com uma fatia de bacon tostado?

Título: 20000 Leagues Under The Sea
Realizador: Richard Fleischer
Ano: 1954

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