Começo a achar seriamente que a DC Comics já nem se esforça. Enquanto que a Marvel se limita a despejar filmes feito a metro, que parecem todos iguais, tenho quase a certeza que a DC já desistiu sequer de se esforçar. De tal forma que, a meio de Blue Beetle (a primeira adaptação do herói que James Dunn já veio dizer que vai ser alvo de reboot, apesar do filme ter estreado há semanas…), tive que ir conferir à Wikipedia que ele já existia e que é mesmo assim nos quadradinhos. É que este besouro azul é tão aleatório que parece ter sido construído por justaposição, meia-hora antes do filme ter começado a ser filmado.
Blue Beetle é então a resposta da DC ao Moon Knight, da Marvel, em que uma jóia de um escaravelho (onde é que eu já vi isto?) dá poderes especiais ao jovem Jaime Reyes (Xolo Madridueña). Só que o escaravelho é, na verdade, uma entidade alienígena, um simbiose tipo o Venom, que se funde ao cérebro de Jaime. Então porque é que, quando se transforma, o Blue Beetle passa a envergar uma armadura super high-tech? Isso dá-lhe o aspecto do Homem-de-Ferro, com os mesmos planos dos seus olhos dentro da armadura e tudo. Além disso, Jaime é o típico jovem adulto que não está preparado para tamanha responsabilidade e, por isso, compensa tudo com aquela arma típica dos envergonhados: o humor. Esse espírito tornam-no também próximo do Homem-Aranha, fazendo de Blue Beetle uma espécie de monstro de Frankenstein dos super-heróis.
Há ainda outro pormenor importante que faz parte da natureza intrínseca de Jaime Reyes, do Blue Beetle e, consequentemente, do próprio filme: é que ele é latino. Aliás, o seu tio (e espécie de sidekick maluquinho das engenhocas e maluquinho das conspirações, Rudy (George Lopez), até diz às tantas que o Blue Beetle está para Palmera City (a cidade ficcional onde tudo se passa, que podia muito bem ser Miami) assim como o Batman está para Gotham ou o Super-Homem para Metropolis. Blue Beetle é assim um filme fortemente latino, com muitos diálogos em espanhol (e algumas tiradas em Português, cortesia de Bruna Marquezine), cumbia na banda-sonora e aquele sentido de família muito nosso que, no fundo, é a grande mensagem do filme.
Posto isto, Blue Beetle procura tirar partido dessa sua costela política. Susan Sarandon é a vilã de serviço, a matriarca de uma família toda-poderosa, que está a gentrificar à força Palmera City e a construir super-soldados e que, por isso, precisa desesperadamente do tal escaravelho que deu os poderes a Jaime. Por sua vez, Bruna Marquenize é a sobrinha boa (não teria sido tudo tão melhor se fosse uma irmã gémea?), cujo pai foi o Blue Beetle original e que quer recolocar a empresa nos trilhos do empreendedorismo social. Jaime e a sua família são apanhados no meio de tudo isto e, como se sabe, com grandes poderes vêm grandes responsabilidade, yada yada yada.
A partir daqui, o realizador Angel Manuel Soto constrói tudo numa lógica de acumulação, onde vai empilhando outros elementos tirados de histórias semelhantes, procurando terminar cada cena com uma piadola, que normalmente são tiradas mal-escritas. Há uma ideia de humanidade transversal a toda a história, em que o Blue Beetle insiste em não matar ninguém porque não é um assassino, mas isso exclui os capangas da empresa de Sarandon, já que estes são dizimados de muitas formas diferentes ao longo do filme. Há também uma cena mais emotiva, com Jaime a dialogar com o pai morto, mas em que Angel Manuel Soto opta antes por uma treta new age que nos deixa com vergonha alheia.
Até Susan Sarandon, na sua vilã da alta elite sem escrúpulos, que pode estar ali a gozar um prato, aparece em piloto automático, limitando-se a debitar as linhas, já que não tem espaço para mais nada. É que, no meio disto tudo, Blue Beetle ainda tem que encavalitar uma série de diálogos auto-explicativos (porque não é fácil explicar um escaravelho-alienígena-que-dá-poderes-especiais-que-parecem-uma-armadura, se bem que a família Reyes aceita tudo isso de forma inesperadamente fácil), abrir a porta a uma sequela e tentar ser engraçado. E, no meio de tudo isto, ainda há a cena cartunesca com a avó, que ao ver uma metralhadora futurista, a empunha de forma badass e grita morte aos imperialistas: é o passado revolucionário, explica a família Reyes. Só faltaram os risos enlatados.
Como se não estivéssemos já cansados, ainda vai haver um acto final que nunca mais acaba, com mechabots a lutarem no meio da masturbação CGI, a espada do Final Fantasy(!) e até referências ao Mortal Kombat(!!). Porquê? E porque não. Tivesse eu visto esta Hamburga de Choco há uma semana atrás e estaria na minha lista dos piores filmes do ano.
Título: Blue Beetle
Realizador: Angel Manuel Soto
Ano: 2023