| CRÍTICAS | LOLA

LOLA tem, provavelmente, a melhor premissa de toda a história do cinema. O dilema é simples: devem as manas Hanbury (Emma Appleton e Stefanie Martini) impedir o avanço do Terceiro Reich, prevenir o Holocausto e salvar a vida a milhões de pessoas, mas com isso mudar o curso da História como a conhecemos, levando a que o rock’n’roll não se desenvolva como se desenvolveu? Ou, colocando as coisas em termos mais simples, devem as manas Hanbury derrotar Hitler em nome da Humanidade ou devem ser egoístas e deixar que o mundo desfrute de um David Bowie e das suas canções? Hitler ou Bowie? A escolha não é fácil.

É um daqueles dilemas que, quando jogamos ao would you rather, dá pano para mangas. Em LOLA, deu lugar a um filme inteiro, depois de já ter dado lugar a uma curta, que o realizador Andrew Legge actualizou e expandiu aqui. LOLA é um filme sobre viagens no tempo, que se passa na primeira metade do século XX, onde duas irmãs tão brilhantes, quanto reclusas, inventam uma máquina capaz de sintonizar as ondas rádio do futuro. Com isso, são capazes de prever o que vai acontecer, seja os ataques do blitz alemão durante a Segunda Guerra Mundial, seja a primeira apresentação de Ziggy Stardust na televisão nacional.

Só isto chega para convencer qualquer pessoa de bem a ver LOLA. Mas há ainda outro gimmick que torna tudo duplamente interessante. É que Andrew Legge monta-o como um found footage movie, a partir das bobines em 16mm que uma das irmãs deixa para salvar o… passado. Sim, porque LOLA, além do efeito borboleta que todos sabemos que pode acontecer quando se altera a linearidade do tempo (obrigado Regresso ao Futuro pela explicação), também explora o paradoxo da predestinação. Não sabem o que é? Então vejam Predestinado.

A partir da manipulação de found footage real (e com a ajuda de Neil Hannon, dos Divine Comedy, a criar cantigas para uma banda-sonora alternativa do futuro sem rock’n’roll (e com os nazis no poder!) que está para os Kinks como Regresso ao Futuro estava para Chuck Berry), Andrew Logge alicerça o seu filme na própria história real do nosso tempo, tornando-o numa versão alternativa do nosso próprio mundo. É o poder do cinema, ao mostrar como o mundo poderia ter sido se algumas decisões tivessem sido tomadas de forma um bocadinho diferente.

Não é que LOLA seja propriamente um filme perfeito, no seu copy paste entre real e ficção, mas a sua ideia original e a sua genealogia cinéfila são suficientes para fazerem dele uma das grandes pérolas sci-fi deste século. O preto-e-branco e o aspecto antigo dos 16mm lembram as fotografias de La Jetée, que também contavam uma história alternativa da nossa história moderna; a revisão da Segunda Grande Guerra é uma variação de O Homem do Castelo Alto, de Philip K. Dick; e o último plano é uma referência directa ao Shining, de Kubrick, que teria gostado deste Le Big Mac, de certeza absoluta.

Título: LOLA
Realizador: Andrew Logge
Ano: 2022

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *