Em Guerra Civil, o realizador Alex Garland pode nunca nos dar ma explicação clara ou satisfatória do que fez com que os Estados Unidos implodissem numa guerra civil que deixou o país em estado de sítio, mas nós vamos estar sempre a ver ecos e fantasmas da anterior administração Trump, assim como projecções de um futuro por vir. Claro que isso podem ser apenas macaquinhos na nossa cabeça, mas como alguém escreveu por aí algures, quem é que se atreve a apostar que, se não tivesse havido a invasão ao Capitólio, este filme não existiria?
Estamos então num futuro distópico em que os Estados Unidos estão mergulhados numa destruidora guerra civil. Vemos imagens que estamos habituados a ver em cenários de guerra espalhados pelo mundo, que nos chegam regularmente pela televisão, mas que parecem ser impossível de acontecer ali, no “lar da democracia” (lol). Há escassez de água e pessoas a lutarem por abastecimentos racionados, acampamentos provisórios a perder de vista e muita pobreza, morte e destruição no ar.
E, no entanto, Guerra Civil dispensa o filme de acção categoricamente. Não é que não estejam por lá alguns códigos do género, de todos os war movies que conhecemos. Mas Guerra Civil tem como protagonistas um grupo de jornalistas e são eles os verdadeiros heróis do filme, recuperando a ideia da imprensa quanto quarto poder, um estatuto que tem vindo a esvaziar-se nos últimos anos, com o próprio jornalismo e toda a sociedade civil a observarem essa auto-destruição da primeira fila sem perceberem muito bem o que fazer para o impedir.
Kirsten Dunst é uma foto-jornalista conceituada e respeitada, Wagner Moura é o seu colega, Stephen McKinley Henderson é um jornalista veterano e espécie de mentor e Cailee Spaeny é a jovem novata que se inspira na primeira, mas que não sabe ainda muito bem o que a espera. É um herói colectivo que vai servir para reflectir pela enésima vez sobre a desumanização da guerra em geral e sobre o papel do jornalista, algures entre a nobre tarefa de registar a história de forma imparcial e o destroço humano, tanto mental como fisicamente. Com as suas limitações, The Bang Bang Club fazia o mesmo a partir das experiências reais de Kevin Carter, Greg Marinovich, Ken Oosterbroek e João Silva.
Os jornalistas vão pegar num carro e partir rumo a Washington, para uma última entrevista ao presidente (Nick Offerman) antes da sua provável queda. Vai ser uma viagem ao coração das trevas, o que faz de Guerra Civil um Apocalipse Now contemporâneo. Não é só a estrutura do road movie que é semelhante, algumas cenas são mesmo equivalente. A sequência na cidade que se mantém intacta e fora do conflito, por exemplo, é o lado b da cena com a família francesa no Apocalipse Now Redux.
Talvez por já termos viste este filme várias vezes, há partes em Guerra Civil que soam redundantes e, por isso, desnecessárias. Mas Garland tenta dar-lhe sempre um toque pessoal, nem que seja na óptima selecção de temas da banda-sonora (os Suicide, caraças, e nem sequer é o Ghost Rider), na intensidade máxima e na secundarização da violência. Curiosamente, é na cena mais violenta e dura que Guerra Civil tem o seu melhor momento de tensão: é quando surge Jesse Plemons e nos sentimos pela primeira vez verdadeiramente assustados e desconfortáveis.
Guerra Civil é o filme mais caro até há data da A24 e o seu maior êxito de bilheteira, mas isso não quer dizer que seja necessariamente o melhor. É, no entanto, um bom filme que não desmerece o McBacon e que nos faz lembrar as palavras sempre certas (lol) do poeta Axl Rose: what’s so civil about war anyway?
Título: Civil War
Realizador: Alex Garland
Ano: 2024