| CRÍTICAS | Humane

Depois de Brandon, há mais um membro da prole Cronenberg a fazer filmes. Caitlin Cronenberg estreou-se como realizadora com um pequeno filme chamado Humane e, apesar da estreia comercial limitada, rapidamente conquistou o público. E é um burburinho que se justifica ou é são apelido a fazer s coisas mexer? O Royale With Cheese responde.

Humane arranca com uma premissa poderosa. Num futuro distópico, mas que não é tão distópico quando isso, o nosso planeta atingiu um ponto limite depois de décadas a ignorar os sinais de colapso iminente, aumento da população e esgotamento dos recursos naturais. Nas Nações Unidas, os países comprometem-se a reduzir a população em 20 por cento. Cada nação começa então a desenvolver as suas próprias estratégias para convencerem 20 por cento das pessoas a voluntariarem-se para a eutanásia.

Ficamos logo convencidos com a ideia e entusiasmados em saber qual a direcção que Caitlin Cronenberg vai tomar. E tendo em conta que Peter Gallagher, o pai de uma família abastada (foi ele o apresentador do telejornal mais respeitado do país durante décadas), convoca os filhos para um jantar, onde tem uma mensagem importante para comunicar, percebemos logo que isso vai-se tornar numa espécie de A Festa, versão pós-apocalíptica.

Afinal de contas, é à mesa de refeições que se desenrolam alguns dos momentos mais fulcrais da ficção. Este é um elemento importante e com tradição no cinema, até porque permite que várias personagens estejam reunidas no mesmo local e disponíveis para conversar. Além disso, vemos logo que aquele grupo de irmãos tem muitas histórias mal resolvidas para a coisa ter tudo para correr mal: Jay Baruchel é um antropologia mimado que trabalha para o Governo e defende acerrimamente a eutanásia (higienização?) da população, criança incluídas; Sebastian Chacon é um ex-toxicodependente em recuperação; Emily Hampshire é uma cabra fria e calculista; e Alanna Bale é… muito parecida com uma irmã Olsen?

Sentamo-nos e reconfortamo-nos para apreciar o jeu de massacre que se anuncia. E, no entanto, ninguém consegue prever aquilo em que Humane se vai tornar. Inesperadamente, Caitlin Cronenberg vai tomar uma série de decisões erradas, como se se esforçasse sempre por ir na pior direcção possível. Há um fascínio pelo abismo incrível num apetite pela própria destruição, que faz Humane deteriorar-se lentamente em frente dos nossos olhos.

E o mais frustrante é mesmo o facto de Humane recusar linearmente todo o legado que o apelido Cronenberg carrega. Quando o pai anuncia aos filhos que se voluntariou-se para a eutanásia, o filme entra automaticamente no domínio do livre arbítrio e numa reflexão sobre a perda de controlo da mente sobre o corpo. Mas Caitlin Cronenberg não só não tem nada a dizer sobre isso, como se afasta o mais que pode do body horror, indo flirtar abertamente com o cinema de série b, mas apenas com a parte da sua economia de ideias.

É quando toca a campainha e entra em cena Bob (Enrico Colantoni), o técnico responsável pela eutanásia, que o filme abre à porta à xungaria. E isso não é um elogio. Por momentos, faz lembrar A Instalação do Medo, mas sem o absurdo de Rui Zink. É uma queda livre em direcção ao Happy Meal, sem rede, sempre paredes-meias em se tornar na enésima sequela de A Purga. E é tudo ainda mais frustrante por todo o potencial da ideia de Humane, um filme que, tal como Infinity Pool, é sobre os 1%, mas que em vez de “comer os ricos”, decide colocar-se do lado deles.

Título: Humane
Realizador: Caitlin Cronenberg
Ano: 2024

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