Tentem pensar num sítio onde os amigos imaginários vão morrer, depois das crianças deixarem de acreditar neles. É essa a premissa de IF – Amigos Imaginários – IF são as iniciais de imaginary friend e um trocadilho com o inglês what if -, um filme que John Krasinski, o actor recentemente transformados em realizador (aqui é ambos), descreveu na perfeição como uma obra da Pixar mas em imagem real.
Aliás, as afinidades de IF – Amigos Imaginários com a Pixar chegam a ser, por vezes, mais do que simples inspiração. Veja-se, por exemplo, a sequência inicial, que vai beber directamente a Up – Altamente. Aqui, numa colecção de cenas rápidas filmadas com uma mini-dv caseira, somos apresentados à jovem Bailey Fleming e aos seus pais, Krasinski e Catharine Daddario, em vários momentos domésticos daqueles que criam memórias. Mas, de forma subtil, começamos a perceber que algo pode não estar bem. Até que a mãe surge de lenço na cabeça e depois não surge mais. Eis a arte de contar algo sem necessitar de palavras.
Ainda com esse trauma bem presente, Bailey Fleming arrisca-se a passar por tudo outra vez. É que o pai é internado para uma operação – sofre de coração partido, como o próprio refere, e na sua idealização, IF – Amigos Imaginários não necessita de mais explicações – e Fleming vai viver esses dias com a avó. É nessa casa cheia de recordações que vai descobrir que consegue ver os amigos imaginários das crianças que cresceram e deixaram de acreditar neles e, como é a única que tem esse dom além de Ryan Reynolds, vai acabar por se oferecer para ajudar a encontrar novos pares para esses monstrinhos adoráveis, como um tinder entre o mundo real e o da fantasia.
Vemos IF – Amigos Imaginários com uma permanente e estranha sensação de não conseguirmos decidir se estamos a gostar ou não. Por um lado, IF – Amigos Imaginários parece sempre ser derivativo de algo que já vimos antes. Os amigos imaginários são uma versão alternativa dos monstros de Monstros e Companhia e a interação entre personagens reais e animados remete sempre para Quem Tramou Roger Rabbit? (se bem que o CGI ameaça muito mais a suspensão da crença, já que aquele sintético do digital anula o artifício da animação tradicional). Mas por outro lado, IF – Amigos Imaginários saca um par de momentos inspirados e sentimentais, em que a banda-sonora certa e um certo savoir faire, toca-nos fundo cá dentro. Destaque para a cena em que a avó, Fiona Shaw, relembra a sua antiga paixão pela música clássica e dança na sala, em contra-luz, ao som do adágio de Spartacus ou para o momento musical de variedades de Reynolds.
Já não há é paciência para o enésimo filme de Ryan Reynolds a fazer de Ryan Reynolds, aqui apenas a trocar o humor auto-depreciativo por uma insolência cansada. Seja como for, isso é pouco importante para um filme em que os verdadeiros protagonistas são os amigos imaginários, com destaque para o super-fofo Blue, com voz de Steve Carell. Aliás, todas as criaturas têm vozes de famosos, num quem-é-quem que chega mesmo a ser impressionante e onde se destaca Brad Pitt, a fazer de um tipo invisível(!) pela segunda vez, depois da piada de Deadpool 2.
O pior é que IF – Amigos Imaginários move-se sempre numa camada de gelo fino, que é o seu próprio argumento. É certo que a nostalgia servida em doses industriais disfarça esses momentos e rapidamente desviam as atenções sempre que necessário, mas quando a poeira assenta o que fica é uma história que nunca se decide bem pelo que quer. Afinal, os monstros são criados pelas crianças ou são-lhes atribuídos? E quando deixam de acreditar neles, os amigos imaginários desaparecem ou vão para um lar? A coisa parece nunca ser bem resolvida e é utilizada por Krasinski como lhe dá mais jeito para a história e, apesar do filme aquecer o coração um par de vezes, não chega para ser grande cinema. É um Cheeseburger interessante, vai servir para muitas famílias passarem um bom serão juntos, mas não fica para a posterioridade como prometia.
Título: IF
Realizador: John Krasinski
Ano: 2024