Até parece que estou a ver o Matthew Vaughn a ir apresentar Argylle – Espião Secreto aos engravatados.
Matthew Vaughn: Tive uma grande ideia: uma escritora de livros de espiões que acaba ela própria numa missão de espionagem.
Os engravatados: Mas isso já existe, chama-se Em Busca da Esmeralda Perdida. E até tem uma sequela. Está dispensado, senhor Vaughn.
Matthew Vaughn: Não, esperem… Mas há um twist… Er… hmm… É que ela é uma agente adormecida.
Os engravatados: Oh, bravo. De quanto devo assinar o cheque, senhor Vaughn?
Agrylle – Espião Secreto é o novo universo cinematográfico criado por Vaughn, depois de Kingsman – Serviços Secretos, com o qual ele já está a planear um crossover no futuro(!). O problema é que Argylle – Espião Secreto parece ser uma versão B (de brega) desse outro universo (que, verdade seja dita, também não é propriamente bom), como que se tivesse sido construído com as ideias recusadas de Kingsman – Serviços Secretos. E se calhar até foi. Aliás, os twists são tão implausiveis que o filme parece ter sido escrito num workshop de escrita criativa com miúdos do ciclo.
Portanto, Argylle – Espião Secreto não é só um filme para se ver com o cérebro desligado. É mais do que isso. É preciso desentalar por completo o cérebro e tranca-lo numa caixa-forte, de preferência a sete chaves. Ora vejamos: Bryce Dallas Howard é uma escritora altamente bem-sucedida que escreve sobre um espião secreto, que nas suas fantasias tem a forma de Henry Cavill. Ao ver-se com um ligeiro bloqueio criativo para terminar o livro 5 da série, Dallas Howard mete-se num comboio para ir ter com a mãe, mas acaba atacada pr espiões de uma agência super-secreta, liderada por Bryan Cranston. A razão? Já que ela consegue prever tão bem o mundo da espionagem, eles querem a sua ajuda para encontrarem um espião fugido com um ficheiro importante.
Argylle – Espião Secreto entra então numa aventura de acção com iguais doses de humor, mas que de 10 em 10 minutos tem um twist, cada um deles mais irrealista do que o anterior. Esse fluxo constante torna impossível manter qualquer tipo de suspensão da crença. Isso até poderia nem ser um problema se o filme mantivesse os nossos outros sentidos estimulados, mas nem para isso Argylle – Espião Secreto serve. Se estão à espera de um filme que vos limite ao mais simples gesto do ver e ouvir, também não é este, já que as cenas de acção são desesperadas e sempre recicladas. Ao menos, Kingsman – Serviços Secretos ainda tinha aquela cena de porrada na igreja, estupidamente violenta.
Argylle – Espião Secreto desperdiça assim um elenco de nomes conhecidos, até porque nenhum deles tem propriamente material onde se agarrar. Tudo é funcional nos serviços mínimos para garantir apenas que o argumento, muito action driven, nunca pare de girar. E que luxo é poder ter Henry Cavill e John Cena apenas como bibelôs decorativos, à espera de uma sequela por vir. Há pouca coisa a recomendar neste Happy Meal e o facto de querer ser o pontapé de saída para um novo universo cinematográfico só contribui para piorar tudo.
Título: Argylle
Realizador: Matthew Vaughn
Ano: 2024