| CRÍTICAS | O Testa de Ferro

Em 1977, Woody Allen estreava Annie Hall, o filme que o consagrava como autor e deixava para trás de vez o rótulo de humorista promissor. No entanto, um ano antes, Allen teve outro momento marcante na carreira que é poucas vezes lembrado. 1976 foi o ano de O Testa de Ferro, aquele que foi anunciado como o primeiro papel dramático de Allen e que foi o seu último papel num filme de outro realizador. Só em 1991, Allen iria interromper esse hiato de década e meia, quando entrou no Cenas Conjugais, de Paul Mazursky.

O Testa de Ferro é um filme especial, já que é uma história sobre os anos de paranóia de caça às bruxas do McCartnismo, baseado na experiência pessoal do realizador Martin Ritt e do argumentista Walter Bernstein. Aliás, nos créditos finais do filme, fazem questão de deixar bem claro quais os membros da equipa técnica que estiveram nessa oficiosa lista negra de nomes que as altas autoridades norte-americanas recomendavam fortemente não serem contratados pelos estúdios de cinema, por suspeita de serem… comunistas, essa ofensa de lesa-pátria. Estávamos em plena Guerra Fria e os Estados Unidos caíam numa espiral persecutória e autoritária altamente fascista em nome da liberdade(lol).

Martin Ritt e Walter Bernstein sobreviveram a essa lista negra com dignidade, mas viram muitos dos seus colegas não terem a mesma sorte. Ao serem postos de lado e ao deixarem de ter trabalho, muitos foram obrigados a procurar outras carreiras, enquanto que tantos outros soçobraram às drogas ou ao suicídio. Foi o caso de Philip Loeb, amigo pessoal de Ritt e no qual foi livremente baseada a personagem de Zero Mostel, que é o verdadeiro protagonista de O Testa de Ferro. Mas já lá vamos. Primeiro, Woody Allen.

Woody Allen faz então de Woody Allen, um neurótico fura-vidas, que está sempre à procura da próxima oportunidade para faturar mais uns trocos, de preferência que seja rápido e nem tem que ser necessariamente legal. Por isso, quando um amigo argumentista de Hollywood o aborda com uma proposta, Allen vê a oportunidade perfeita para matar dois coelhos de uma só cajadada: ajudar o amigo e encher os bolsos. O amigo (Michael Murphy) está na tal lista negra e deixou de ter trabalho em Hollywood. Como os pseudónimos já não funcionam, a proposta é simples: Allen assume a autoria dos guiões, recebe o dinheiro e divide-o com o verdadeiro autor.

Por entre o humor nervoso e auto-depreciativo típico de Woody Allen, o filme começa por construir uma espécie de comédia de enganos, que vai escalando sempre mais e mais. Allen torna-se no novo ai-Jesus de Hollywood e à medida que os seus guiões têm cada vez mais sucesso, o seu nome começa a ser mais e mais investigado pelo FBI. E é aí que entra Zero Mostel, a verdadeira razão de O Testa de Ferro poder ser chamado de drama. É ele que tem os melhores momentos do filme, em dois monólogos que valem O Testa de Ferro por inteiro.

Mostel é então um bem sucedido actor de comédia que, sob a ameaça da lista negra, começa a entrar num beco sem saída. O seu ar de clown torna-o num palhaço triste, à medida que se vai humilhando a si mesmo perante o FBI e os estúdios, apenas para se enterrar ainda mais. No final, há uma espiral de auto-destruição que só tem uma saída possível, numa cena trágica, mas muito bem filmada por Martin Ritt. O Testa de Ferro é um McChicken que serve também como memória de um período que não deve nunca ser esquecido, para ver se não volta mais.

Título: The Front
Realizador: Martin Ritt
Ano: 1976

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