A vida de Lee Miller dava um filme. De modelo e musa dos surrealistas (privou em Paris com Dali ou Man Ray), tornou-se em fotógrafa respeitada e num dos principais nomes do fotojornalismo, depois de ter estado na linha da frente na Segunda Guerra Mundial. Quando entrou na casa de Hitler, ainda a guerra não tinha arrefecido, fotografou-se na banheira do ditador, nua e em cenário meio surreal, meio absurdo, numa foto que se tornou maior do que a própria fotógrafa. A vida de Lee Miller dava um filme e isso era apenas uma questão de tempo. Eis então o biopic. Só não estávamos à espera que Lee Miller – Na Linha da Frente fosse propriamente isto.
Lee Miller – Na Linha da Frente não é um biopic completo da vida e obra da norte-americana. Narrado em regime de analepse pela própria (Kate Winslet num projecto bastante pessoal), já velha, ao ser entrevistada por Josh O’Connor, a história começa logo em Paris, no exacto momento em que esta conhece o seu futuro marido, o artista Roland Penrose (Alexander Skarsgård). Lee Miller era uma força da natureza, que recusava qualquer papel de género e é ela que se descreve logo a abrir: gostava de beber, fazer sexo e tirar fotografias, era boa nas três tarefas e fazia-as o máximo que podia.
Depois Hitler começa a avançar, o blitz atinge Londres e Lee Miller torna-se fotógrafa da Vogue. É enviada para a linha da frente e, de repente, já não há vestígios do biopic, estamos totalmente mergulhados no domínio do filme do Holocausto. E quantas vezes já o vimos, sempre a resvalar para o gratuito? A novidade aqui é, no entanto, vê-lo pelos olhos de uma mulher num mundo de homens, em que, apesar da desumanidade da guerra, não abria mão dos códigos machistas. Contudo, esses são mais obstáculos práticos e logísticos que a realizadora Ellen Kuras contorna do que propriamente reflexões profundas.
Não há propriamente nada de errado no filme de Holocausto de Lee Miller – Na Linha da Frente, mas também não há exactamente nada de novo. Kuras tenta captar o horrors das primeiras imagens dos campos de concentração, reencenando algumas das fotos reais de Miller, mas depois falha nos momentos mais importantes, como no encontro desta com Solange D’Ayen (Marion Cotillard), depois da sua passagem por um campo de concentração, que se limita a ser apenas mais um momento na aventura da fotógrafa pelo filme.
No final, quando regressamos à sala com o entrevistador e a Lee envelhecida, Ellen Kuras ensaia um twist final que nos relembra que Lee Miller – Na Linha da Frente era um biopic. Lee Miller era uma figura complexa e a linha da frente em França e na Alemanha apenas contribuiu para tornar tudo isso ainda mais complicado. Contudo, nada disso aparece no filme, sufocado pelo filme de guerra. É mais um relato do que aconteceu, do que propriamente uma explicação. A vida de Lee Miller dava um filme, mas merecia algo melhor do que este Cheeseburger.
Título: Lee
Realizador: Ellen Kuras
Ano: 2024