
Bob Marley deve ser uma das celebridades mais consensuais do mundo. Na internet, aquele sítio em que as pessoas discutem até por uma fotografia de pipocas, Bob Marley passa incólume às críticas e aparece associado a tudo o que são citações sobre ser zen, ser boa pessoa a ter boas vibrações. Como ele só Bruce Lee e Keanu Reeves, mas ambos vêm a uma larga distância.
Bob Marley, o rei do reggae, continua a ser o porta-voz de vários hinos associados à luta, à perseverança e à paz. Ele, que foi a primeira estrela de um país do Terceiro Mundo, continua a ser a banda-sonora obrigatória do verão. Sempre que surgem os primeiros raios de sol de Junho lá puxam as esplanadas dos cds de Bob Marley para rodar non-stop até ao final de Setembro.
Por isso, um biopic sobre Bob Marley era só uma questão de tempo. Bob Marley – One Love é o filme oficial sobre o autor de No Woman No Cry, com a aprovação da família e o licenciamento das suas canções. Por isso, todos os hits estão na banda-sonora, alguns até mais do que uma vez. Destaque para Redemption Song, que é usado como leitmotif espiritual, e para Exodus, que tem direito a longa cena de composição e tudo.

Há uma coisa que o filme de Reinaldo Marcus Green se safa que é de um certo endeusamento do biografado, algo muito comum em muitos biopics. É certo que Bob Marley é visto aqui como um líder por toda a comunidade rastafari (e não só), mas não há aquela coisa do génio artístico como inspiração divina, de quem acorda de manhã e as canções fluem pelos dedos como por magia. No entanto, as (poucas) cenas sobre música são bem irrealistas, com os músicos a fazerem uma música em minutos, sem grande esforço.
Também não nos podemos queixar que Bob Marley – One Love seja um filme com pouca música. No entanto, as cenas que retratam os concertos têm sempre Kingsley Ben-Adir mais esforçado do que inspirado. O actor tenta imitar os maneirismos de Bob Marley, mas parece sempre um robô em palco a repetir mecanicamente os passos que memorizou do Youtube do que a encarnar o rei do reggae. E isso é daquelas coisas que arruina qualquer suspensão da descrença.
Mas o pior de Bob Marley – One Love é que é um biopic sem qualquer ideia, sem um fio condutor ou sem um ponto de vista. Limita-se a encadear episódios mais ou menos conhecidos da vida de Bob Marley, muitas vezes partindo do pressuposto de que toda a gente sabe do que está a falar (deixa de fora todo o contexto sócio-político da Jamaica, incluindo a perseguição aos rastafaris). Começa com o Smile Concert, o concerto pela paz em que juntou no mesmo palco os dois candidatos rivais à presidência, segue-se o atentado e, de repente, lá está ele em Londres e Rita Marley (Lashana Lynch) nos Estados Unidos sem sabermos bem porquê. Depois há crises existenciais, alguma ganza, cenas de estúdio, digressões pela Europa, algum conflito com Rita Marley, novamente a crise política na Jamaica… mas tudo muito flat, com a espessura de cartão. Bob Marley merecia mais do que este Cheeseburger baço.

Título: Bob Marley – One Love
Realizador: Reinaldo Marcus Green
Ano: 2024