| CRÍTICAS | Veludo Azul

She wore blue velvet
Bluer than velvet was the night
Softer than satin was the light
From the stars

Depois de ter visto Veludo Azul, de David Lynch, ouvir Blue Velvet, o temalhão de Bonny Vinton, nunca mais foi a mesma coisa. Agora, sempre que oiço os primeiros acordes da canção, fico com os pêlos dos braços em pé, um estranho friozinho na barriga e uma sensação perturbadora percorre-me a espinha, ficando sempre à espera que o Dennis Hopper irrompa a qualquer momento na sala e comece a gritar fuck na minha cara.

É verdade, venho-vos falar de Veludo Azul e vou fazer uma coisa que raramente (nunca) faço neste humilde tasco cinematográfico: dizer mal de um filme que a maioria dos gosta. Ou, pelo menos, dizer que não gosto de um filme que a maioria das pessoas que me conhece acha que eu devia gostar (já me disseram isto mais do que uma vez, portanto…). E eu sou um grande fã do Lynch antes dele queimar de vez (Inland Empire, anyone?), atenção.

O meu problema com Veludo Azul é semelhante ao meu problema com Sangue Por Sangue, outro neo-noir com algumas semelhanças. Ambos são filmes com um estranho sentido de ritmo, que se despega das personagens e do argumento, fazendo com que não consiga manter uma relação com o filme. E não é por falta de esforço, porque o colorido da fotografia, o burlesco das personagens ou o mistério surreal da história é apelativo.

Veludo Azul é um filme de Lynch em que ainda há coerência na história, se bem que aqui os conceitos de “personagem” e de “argumento” não são propriamente os convencionais. Veludo Azul é um neo-noir dos subúrbios (no fundo, é também esta a génese de Twin Peaks), em que Lynch leva demasiado a sério a parte do noir, povoando de sombras e fantasmas sombrios o idílico e melodramático sonho americano de Douglas Sirk. 

Tudo começa quando Jeffrey (Kyle MacLachlan) encontra uma orelha num baldio da sua terreola e, armando-se em detective, vai descobrir um estranho caso de rapto, que envolve a cantora Dorothy Vallens (Isabella Rossellini), o filho e o marido desta, polícias corruptos e, a cereja no topo do bolo, Frank (Dennis Hopper). O argumento é sempre muito vago e é quase mais um fio condutor do que propriamente uma história, porque no final nunca chegamos a saber os motivos do rapto, quem era aquela gente e qual a relação entre os bandidos e a polícia.

O que interessa é dar forma aos desvarios de David Lynch, ainda longe da diarreia mental de um… Inland Empire, mas já com alguns laivos de esquisitice doentia. Num ambiente de perfume ordinário que faz lembrar o Sapatos Pretos, andamos em bordéis com meninas obesas e um chulo gay-palhaço que canta Roy Orbison ou em decors kitsch de cores garridas que lembra pastiches como o 8 Mulheres. E depois há Dennis Hopper, paz à sua alma, que faz com que Veludo Azul não seja uma total perca de tempo.

Dennis Hopper concentra em si todos os desvarios sexuais, por mais perturbadores e doentios que sejam, que se possa imaginar. E fala-vos alguém que já viu A Pianista, claro. Sempre a snifar uma máscara de gás que lhe dá tusa, Hopper é um psicopata de olhos vidrados, sempre a gritar e que coloca fuck em todas as frases que diz, incluindo a mítica “Baby wants to fuck” (que em tradução livre é algo como o Bebé quer foder e em que o bebé em causa é ele).

Thriller psicológico, neo-noir pós-modernista ou outra verborreia qualquer do género. Cá para mim, Veludo Azul é só e apenas um Cheeseburger e já muito esticado.

Título: Blue Velvet
Realizador: David Lynch
Ano: 1986

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