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30 anos depois de Forrest Gump, o realizador Robert Zemeckis voltou a juntar-se com os protagonistas, Tom Hanks e Robin Wright, para fazer um novo filme. Claro que tudo o resto acabou ofuscado por esse fait-diver – afinal de contas, Forrest Gump é um dos mais bem-amados filmes de sempre (e igualmente detestado pelos snobs cinéfilos) -, incluindo seu próprio dispositivo.

É que Aqui é um filme de quase duas horas que se passa sempre no mesmo sítio, com um plano fixo, que só se liberta das amarras do tripé nos últimos 5 minutos. No entanto, apesar de estar fixo ao espaço, o filme tem liberdade temporal, já que salta por 5 diferentes realidades temporais, que vão desde o homem primitivo até à actualidade. Ou seja, o centro gravitacional do filme é a sala de estar da casa onde o casal Tom Hanks e Robin Wright construíram a sua vida, mas também o que se passou aqui com os actuais inquilinos, os anteriores e até alguns nativos americanos no tempo da Pocahontas – a câmara continua fixa no mesmo local, apenas a casa ainda não existe e a paisagem é bem diferente.

Adaptado da novela gráfica homónima de Richard McGuire, Aqui é então um daqueles que facilmente se esgota nele próprio. Ou seja, um truque de circo, para o qual o argumento só serve para justificar que ele exista. Por isso, Aqui será um filme que será fácil de se amar ou de se odiar. No fundo, como Forrest Gump.

Aqui é assim um filme sobre o passar do tempo e como este é circular, fazendo jus aquele adágio que diz que a história se repete. Inclusive as pandemias. Não é por acaso que, em duas realidades temporais diferentes, temos contacto com a gripe espanhola e com a covid. Só não se percebe muito bem é para que serve esta última história, com uma família afro-americana que ocupa actualmente a casa do filme, e que parece estar ali apenas para cumprir as quotas da representatividade racial.

Apesar das limitações do dispositivo do filme, a verdade é que Robert Zemeckis esforça-se ao máximo para que não pareça sempre que estamos a ver uma daquelas sitcoms dos anos 80, que se passavam sempre na sala de estar de uma família de classe média nos subúrbios norte-americanos, tipo Quem Sai aos Seus ou Uma Família às Direitas. Mas há coisas que são impossíveis de contornar e uma delas é o desenvolvimento emocional mais profundo das personagens. Por isso, aqueles que odiaram Forrest Gump irão odiar Aqui também, já que este sofre gravemente de uma das acusações mais frequentes desse filme: a de que é altamente estereotipado, dizendo-nos o que sentir em vez de nos fazer perceber o que as personagens estão sentindo.

Contudo, essa acusação de superficialidade feita a Zemeckis sempre foi muito injusta. Ele é um realizador com grande domínio e conhecimento dos códigos de género, um discípulo de Steven Spielberg e, consequentemente, de Frank Capra e de todo esse cinema familiar e moralmente correcto. Por isso, Aqui é um feelgood movie, daqueles que se faziam às carradas nos anos 80, mas que se foram perdendo ao longo dos anos em detrimento de uma maior gravitas, mas que tem vindo a resultar num cinema cada vez mais pesadão, que se enterra sobre o seu peso. Dúvidas? É ver no buraco em que se meteram todos os filmes de heróis. Eu gostei de Aqui. É levezinho? É. Mas rimo-nos e comovemo-nos com aquelas pessoas de forma mais genuína do que na maioria dos dramas que estreiam por aí. E tudo isso enquanto desfrutamos de um McRoyal Deluxe.

Título: Here
Realizador: Robert Zemeckis
Ano: 2024

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