
A Paixão De Cristo tornou-se no filme oficial da Páscoa, mas existe um outro que merecia o lugar. É que estamos a falar do melhor filme religoiso de sempre (atenção, deve-se ler o melhor filme religioso sério de sempre): o controverso A Última Tentação De Cristo. É certo que é uma obra ficcional, mas não deixa de ser o melhor filme religioso de sempre.
A figura de Jesus, enquanto filho de Deus, sempre foi representado em tudo o que é filme como o homem perfeito, uma personagem unidimensional sem expressão emocional digna de registo. Por isso, quando Martin Scorcese realizou um filme em que toma a condição humana de Jesus como base da maior história do Mundo, caiu o carmo e a trindade por todo o Mundo. E ainda hoje o filme continua banido no Chile.
Jesus é então um homem atormentado: numa mão tem a voz de Deus a toldar-lhe o destino, enquanto Messias e salvador dos Homens; contudo, na outra mão tem o problema existencial do Homem. E se essa ambiguidade terrena já nos traz tantos problemas, imaginem o que fez à cabeça de Jesus.

Jesus (interpretado por William Dafoe, um dos melhores Jesuses do cinema de sempre) não queria esse papel. Durante muito tempo tentou fazer com que Deus, o seu pai, o odiasse e lhe retirasse o fardo dos ombros. Era por isso que construia cruzes para os romanos. Mas Deus mostrou-lhe que o amava e Jesus percebeu que teria de espalhar a sua palavra. Facilmente formou uma falange de seguidores rumo a Jerusalém. Mas Jesus era uma espécie de hippie, que apregoava o amor como arma. E aquela treta de dar a outra face a quem lhe batesse dava-lhe uma imagem de mole. Alertado por Judas (grande Harvey Keitel) e mais uma vez atormentado pelos problemas existenciais, Jesus troca o amor pelo machado e decide baptizar com fogo todos os impuros.
Com as pupilas dilatadas e com a batida rock de Peter Gabriel como pano de fundo, Jesus e os apóstolos dirigem-se para Jerusalém para queimar o templo. Ao entrarem na cidade, a população segue-os em histeria, como uma banda rock. Agora percebemos porque John Lennon disse “somos [ndr: os Beatles] mais famosos que Jesus Cristo”.
Mas Deus fê-lo ver pelos olhos da razão e, sem querer adiantar muito da história, todos sabemos que ele acaba pregado a dois pedaços de pau pelos romanos. O culpado é Judas, mas, tal como vem escrito no Evangelho apócrifo, este apenas agiu a mando do próprio Messias. Jesus vai ter então a prova de fogo: conseguirá resistir à última tentação, aquela que lhe prometia uma vida normal? Se sucumbir, sucumbe toda a esperança do Homem. Se resistir, acontecerá a ressurreição e Jesus Cristo virá para nos salvar.
A Última Tentação De Cristo é um ensaio filosófico sobre a figura de Jesus Cristo enquanto Homem. Pela única vez no cinema é-lhe atribuída uma personalidade humana, o que é muito mais chocante do que as cenas de nu frontal ou a relação com Maria Madalena. Junta-se a isto Martin Scorcese, Paul Schrader, Harvey Keitel e William Dafoe e não queriam que se tivesse uma obra-prima nas mãos? Depois ainda há a banda-sonora de Peter Gabriel e até David Bowie no papel de Pôncio Pilatos. O que é preciso mais para um Royale With Cheese?

Título: The Last Temptation Of Christ
Realizador: Martin Scorsese
Ano: 1988