
Estamos nos anos 60, no sul dos Estados Unidos, onde uma mãe com os 4 filhos regressa à sua casa de infância para um recomeço do zero. Não sabemos do que fogem, mas percebemos que, para trás, na Inglaterra, ficou um marido abusivo e uma qualquer desgraça. Os cinco fazem um pacto: ao entrarem naquela casa comprometem-se a esquecer e a atirar para trás das costas o passado. Depois as coisas evoluem um pouco, até que essa ameaça de ontem ressurge na figura de um homem armado com uma espingarda. Há um tiro, um grito de pânico e a câmara corta para um ecrã negro. Depois deste prólogo, o filme recomeça com a mensagem 6 meses depois.
Não é preciso ser um grande especialista em thrillers para perceber o que quer dizer um salto destes na história. Há aqui um qualquer episódio traumático, que serviu para definir as personagens para o que resta do filme e que irá regressar para os atormentar já perto do final. E, quase de certeza, será sob a forma de um twist no argumento, que através de uma cambalhota narrativa qualquer procurará deixar-nos surpreendidos pela imprevisibilidade.
É difícil ficar surpreendido por um twist final quando o vemos a vir desde o primeiro acto do filme. O Segredo de Marrowbone sabe disso e não o tenta esconder. Tem confiança em si próprio e isso é de louvar. Mesmo que não venha a funcionar, há que aplaudir essa segurança e firmeza em si próprio. O espanhol Sergio G. Sánchez podia estrear-se aqui na cadeira de realizador, mas a experiência como argumentista, em filmes como O Orfanato, dava-lhe estaleca para tocar esta guitarra.

Os quatro irmãos de O Segredo de Marrowbone são um essemble de luxo e são o melhor do filme. A Charlie Heaton, George MacKay e Mia Goth juntava-se ainda Anya Taylor-Joy, a jovem vizinha que formam este herói colectivo, que poderia sair de uma qualquer história de Stephen King. A mãe morrera entretanto e os irmãos têm de permanecer em casa escondidos, até o mais velho atingir a maioridade e puder reclamar a guarda dos manos. Apesar de viverem isolados e numa mansão senhorial generosa, os quatro vão subindo pelas paredes sem nada para fazer. O Segredo de Marrowbone estreou 2 anos antes da covid, mas agora, no pós-pandemia, percebemos o que o confinamento faz a uma pessoa e o filme ressoa em nós.
O Segredo de Marrowbone é um slow burner, que vai acompanhando o dia-a-dia daqueles 4 jovens, enquanto as tensões entre eles e com o mundo exterior (que teima em se intrometer nas suas vidas) vão crescendo. Também há um fantasma em casa, que pode ou não ser apenas sugestão das suas mentes. E, claro, há a ameaça velada do tal tipo de espingarda, que haveremos de perceber que é o pai de quem fugiram na Inglaterra, que continua a pairar por ali.
Depois chega o twist e já estamos mais que preparados para ele. Por isso, não só ele não funciona como nem sequer é muito bom. O Segredo de Marrowbone fecha o círculo num gesto narrativo bem redondinho, mas não há aqui o golpe de asa que está a ser anunciado desde o primeiro momento e, por isso, o Cheeseburger final nunca é totalmente (ou sequer minimamente) satisfatório. É um filme competente, com um elenco de luxo, mas que fica aquém das expectativas que ele próprio cria.

Título: Marrowbone
Realizador: Sergio G. Sánchez
Ano: 2017