A Sede do Mal foi o último filme que Orson Welles fez em Hollywood e, à partida, parecia ser apenas mais um film noir. Mas do outro lado da câmara estava Welles, um dos maiores génios que a Sétima Arte já pariu, e A Sede do Mal acabou mesmo por ser um dos seus mais celebrados trabalhos. Quiçá só mesmo ultrapassado por O Mundo a Seus Pés.
Estamos então num vilarejo na fronteira norte-americana com o México, um daqueles locais onde sabemos que as coisas más acontecem. Desta vez é uma bomba que explode e o caso vai ser investigado por dois detectives que não podiam ser mais diferentes, tanto em personalidade como em método: o mexicano Mike Vargas (Charlton Heston), íntegro e metódico; e Hank Quinlan (o próprio Welles, deformado entre tantas próteses), marcado pelo assassinato da mulher há 30 anos e que crê na máxima de que os fins justificam os meios. Vai ser então um choque de personalidades, mas também de dois mundos díspares.
A trama não tem nada de novo dentro do género – o polícia com métodos questionáveis versus o polícia respeitável – e é até bastante ingénua, com umas violações mais alegadas do que consumadas e o uso quase envergonhado de drogas. Mas é então que entra em cena o génio de Welles, provando que uma história banal também pode ser elevada a um nível superior pela forma como é filmada.
Welles vai à génese do film noir e inspira-se no expressionismo alemão para filmar de ângulos improváveis e com pontos de fuga desconfortáveis. Afinal de contas, foi gente como Murnau ou Lang que, ao fugirem da guerra da Alemanha para os Estados Unidos, criaram o film noir a partir da influência expressionista. A Sede do Mal também decorre quase sempre à noite, contribuindo para criar um clima de perigo que trespassa todo o filme. E, claro, há ainda o virtuosismo de Welles, como o longo plano sequência que abre o filme, em algo nunca visto na altura. Brian De Palma estava atento.
Mas não é só do génio de Welles que vive A Sede do Mal. O filme tem um leque de estrelas que ajudam-no a brilhar: Charlton Heston longe do histrionismo habitual, Janet Leigh, Marlene Dietrich e até uma muito breve Zsa Zsa Gabor, que tem aqui o seu último grande filme. A Sede do Mal é uma página quase inteira na obra de Orson Welles e na própria história do cinema. E é um óptimo McRoyal Deluxe.Título: Touch of Evil
Realizador: Orson Welles
Ano: 1958