O cinema brasileiro tem vindo a atravessar uma inusitada fase de grande vitalidade, apesar de só chegarem às nossas salas os Tropa de Elite e as Cidade de Deus. E depois vão aparecendo assim uns OFNI (Objectos Fílmicos Não Identificados), que aterram com grande estrondo, primeiro no circuito de festivais e depois na internet. Aqui há uns anos foi Os Famosos e os Duendes da Morte e agora é Boi Neon.
À superfície, Boi Neon é um filme sobre as vaquejasas, equivalente nordestino dos rodeos norte-americanos, acompanhando Iremar (Juliano Cazarré), Granada (Maeve Jinkings) e a filha desta, saltimbancos responsáveis por transportar os bois de terra em terra, como um circo itinerante. No entanto, no conteúdo, Boi Neon é quase um filme de cariz etnográfico, mais perto do documentário ou daquele neo-realismo francês que foi inaugurado por O Segredo de um Cuscuz, do que da ficção, até porque não há propriamente um argumento aqui.
Boi Neon é um filme observador, imersivo e casualista, que segue o dia-a-dia daquelas personagens, nos seus gestos mais privados como públicos (seja no trabalho com as vaquejadas, seja nos seus momentos de lazer ou em episódios íntimos, seja Granada a fazer a depilação, seja Iremar a comer uma grávida numa longa sequência de sexo, bem gráfica, que tem dado que falar). O realizador, Gabriel Mascaro, tira assim uma fotografia impecável a um Brasil real e pouco dado ao Brasil do futebol, do samba e do Carnaval que normalmente nos chega. É um Brasil semi-rural e meio industrializado, que a fotografia estilizada do filme capta por vezes em momentos quase pós-apocalípticos.
Apesar de aparentemente ser um filme inconsequente, Boi Neon prende-nos ao ecrã pelo seu gesto honesto com que filme aquelas pessoas reais, num filme com tanto de arthouse quando de mainstream (as cenas das vaquejadas, os protagonistas que roubam o esperma de um garanhão reprodutor (e que masturbam o cavalo com um à-vontade que nos deixa a pensar)…). Além disso, questiona ainda, de forma subtil, as questões de género, numa universo claramente patriarcal: a mulher que é a camionista e mecânica, tarefas normalmente associadas ao sexo masculino, o homem que sonha em ser costureiro e ainda o outro que passa horas ao espelho a tratar do longo cabelo. São tudo questões que Boi Neon aborda, sem as abordar realmente. E nós ficamos satisfeitos com o McBacon, sem ficarmos saciados inteiramente.Título: Boi Neon
Realizador: Gabriel Mascaro
Ano: 2015