Em Setúbal existem dois mitos urbanos que toda a gente conhece. Um deles diz que Johnny Depp foi barrado à porta de um dos mais antigos bares da cidade; e o outro defende que a Jackie Kennedy, numas versões acompanhada pelo Truman Capote e em outras apenas pelos filhos, passou uma temporada num palacete projectado pelo Raul Lino e actualmente abandonado depois da morte de JFK. Fui ver Jackie com a esperança de ver então essa parte, em que a viúva do presidente norte-americano vinha curar as mágoas na Comenda. Infelizmente, nada disso aparece no filme de Pablo Larraín e a única fonte com essa informação continua a ser a wikipedia.
Jackie é então um biopic sobre os dias seguintes do assassinato de John F. Kennedy através dos olhos da sua muher, Jackie. Os Kennedy tiveram uma vida trágica e, também por isso, Hollywood apaixonou-se pela família. Depois de um filme sobre JFK e outro sobre o seu irmão Bobby, chega a vez da sua esposa. Ficamos a aguardar um sobre os seus filhos, outro sobre o periquito e outro sobre o tipo que ia lá a casa aos fins-de-semana limpar a piscina.
No entanto, Jackie não é um biopic convencional. Nem sequer o esperaríamos do chileno Pablo Larraín, nesta sua primeira experiência (e, diga-se, escolha inesperada) em Hollywood. Mais do que um filme sobre o que passou, em que mergulhamos no que Jackie disse e pensou, mergulhamos no seu estado emocional da então primeira dama, sentindo o que sentiu. Isso significa que Jackie não é propriamente um filme linear do ponto de vista narrativo, onde a banda-sonora de Mica Levi tem um papel fundamental. Ela é opressiva e ostensiva, impondo-se ao filme e às próprias personagens. Isso torna-se desconfortável, mas ao mesmo tempo cumpre o seu objectivo de nos deixar incomodados.
Já todos vimos dramas em que a morte de alguém próximo deixa a personagem num estado zombificado. Em Jackie, ela transforma-se num fantasma, fazendo deste um filme fantasmático, em que Jacqueline Kennedy é muitas vezes uma aparição, que vagueia pela Casa Branca, por entre a desconfiança da restante entourage. Quase que encontramos um paralelismo entre este e Last Days – Últimos Dias, em que Gus Van Sant teorizava da mesma forma sobre os últimos dias de vida de Kurt Cobain. No entanto, enquanto que esse se decidia pelo suicídio, fazendo desse um filme niilista, aqui Jackie dá a volta por cima (e a metáfora com Camelot nunca fez tanto sentido), transformando esta numa história de sucesso pessoal.
Esse lado algo etéreo de Jackie faz com que seja por vezes inconsequente, que parece não caminhar para lado nenhum. Mas este não é um filme convencional, se fosse o típico filme de Hollywood não tinha a Greta Gerwig no elenco, não é? E antes de irmos, vamos lá falar de Natalie Portman. A actriz podia ter aqui um daqueles papeis que sintetizam uma carreira, mas apesar de não estar propriamente mal, parece sempre demasiado em esforço a tentar mimetizar a verdadeira em Jacqueline, em vez de se limitar a sê-la. Mas não é por aí saia prejudicado o McBacon final.Título: Jackie
Realizador: Pablo Larraín
Ano: 2016