Houve uma altura que nada parecia parar Nicolas Winding Refn e que não era possível fazer um mau filme. E, depois de ter o mundo a seus pés, com Drive – Risco Duplo, o realizador dinamarquês espalhava-se ao comprido, com Só Deus Perdoa, desastre épico que ainda por cima tinha o desplante de abrir com dedicatória a Alejandro Jodorowsky, num gesto de pretensiosimo.
O único flop tão épico quanto esse – ou maior ainda – de que me lembro foi o Noé, do Aronofsky, outro realizador que também tinha o mundo aos seus pés e, contra todas as previsões, se esbardalhou todo com esse filme bíblico. No entanto, enquanto este já se redimiu, com o recente Mãe!, Refn ainda nos está a dever uma. É que ainda não é The Neon Demon – O Demónio de Néon que o vai safar.
São muitos os que acusam Nicolas Winding Refn de ser um mero esteta, que não se preocupa com o conteúdo dos seus trabalhos. A todos esses, o dinamarquês deu mais lenha para se queimar. No entanto, The Neon Demon – O Demónio de Néon não podia ser de outra forma, já que é um filme sobre o mundo da moda, em que a beleza exterior é apenas o que conta, um mundo de aparências e artificialidade, onde as mulheres, afogadas em maquilhagem e plásticas, são tratadas como mercadoria.
É a este mundo que vai chegar Jesse (Elle Fanning) directamente da província, uma miudinha ingénua que vai tentar vingar no mundo da moda na cidade dos sonhos, Los Angeles. Estamos no mesmo território que o Mulholland Drive, o que até faz sentido, tendo em conta que David Lynch é uma das referências de Refn. Mas já lá vamos; para já, interessa ainda referir que Jesse tem um je ne se quoi que faz a indústria render-se imediatamente aos seus encantos, levando-a rapidamente ao topo com a mesma velocidade que faz inimigos (leia-se as outras modelos que estão há mais tempo na área).
The Neon Demon – O Demónio de Néon é um filme sobre os malefícios da fama e uma crítica feroz ao mundo da moda, num filme exclusivamente feminino. É impossível não pensarmos também em Cisne Negro, tanto pelas semelhanças entre o percurso de Refn e o de Aronofsky, como pela história de mulheres capazes de tudo para fazer vingar a sua posição num universo que é também sobretudo feminino. O dinamarquês filma tudo isto numa espécie de atmosfera de transe, com uma banda-sonora de sintetizadores opressiva e diálogos artificiais, que servem para reforçar o ambiente de artificialidade onde se move a história.
Mas o problema é que depois Refn mantém o fascínio em Jodorowsky que vinha de Só Deus Perdoa e inunda o filme de simbolismos místicos com mais ou menos significado (dos inúmeros triângulos e pirâmides a um lince que invade o quarto de motel de Jesse sabe Deus porquê). E quanto ao desenlace do filme, Elle Fanning revelou que foi tudo improvisado no plateau. Não era preciso ela dizer; dá par ver.
Apesar de não ser um desastre como Só Deus Perdoa, The Neon Demon – O Demónio de Néon não é propriamente um Valhalla Rising – Destino de Sangue. No entanto, há ali qualquer coisa que lhe pode dar um qualquer estatuto de culto no futuro. É esperar para ver. Por enquanto, o Double Cheeseburger é metade simpatia, metade benefício da dúvida.
Título: The Neon Demon
Realizador: Nicolas Winding Refn
Ano: 2016