*mais aquele que ainda não consegui decidir se adoro ou odeio e o documentário que ninguém viu para aumentar o meu credo underground.
Continuando a boa tradição de passar o dia antes de voar de volta para a civilização a fazer tudo o que pus na “lista de coisas a fazer durante as férias de Natal em vez de dar uma de lontra em frente da televisão com um prato de arroz doce empoleirado nas mamas”, e aceitando o desafio do Royale With Cheese, que me deixa de vez em quando dar uns lamirés aqui porque sou demasiado preguiçosa.. digo, ocupada, para manter o meu próprio blogue de cinema, aqui está a minha lista demasiado pensada de melhores do ano de graça de 2017, já cheia de ansiedades porque há um rol de filmes que, sendo de 2017, só estrearão num cinema perto de mim lá para Fevereiro, e serão para sempre esquecidos e ignorados em todas as minhas listas de melhores do ano, algo que será apontado à minha pessoa quando chegar ao paraíso dos cinéfilos – “COMO NÃO COLOCASTE ESSE ENORME CLÁSSICO QUE É O BOSS BABY NA TUA LISTA DE MELHORES DO ANO, HEIN??”. Isso e o meu ódio fraterno ao Malick far-me-ão arder no inferno cinematográfico, em que só passa as prequelas do Star Wars em loop.
Resumindo: isto de fazer listas de melhores do ano é uma tarefa ingrata. Primeiro, porque há filmes de 2016 que são maravilhosos e só os vi este ano (três deles são tão bons que vou ignorar o ano em que estrearam). Depois, porque razões profissionais me fizeram passar uma boa parte do ano a colmatar lacunas dos meus filmes dos anos 80 e comédias obscuras dos anos 60. E, por fim, porque sou humana, tenho idade para ter um feitiozinho lixado e já não consigo fingir que gosto do que não gosto, mesmo que fosse bom para a minha imagem de Pessoa que Sabe Bués de Cinema, mas que Mantém Aquela Acessibilidade. Bróculos, fora. Logan, esqueçam. E nem me façam falar da Mulher-Maravilha.
Apesar da minha lista não ser tão snob como a da Sight & Sound (eu bem tentei, mas a maior parte dos filmes só são acessíveis através de um sacrifício de 7 cineastas independentes e de dois bonecos da Disney a Satã), tenho noção, a olhar para ela, que me faz parecer o tipo de pessoa que gosta de parecer intelectual. Ora, eu não gosto de parecer intelectual. Primeiro, o tipo de pessoas que gostam de se envolver com intelectuais são insuportáveis. Depois, sou menina para passar três dias a ver a 11º série do Hell’s Kitchen só com pausas para a casa de banho e snacks. E por fim, bolas pá, vamos aqui entrar num círculo de “eu não quero parecer intelectual, mas isso implicaria gostar de cenas das quais não gostei muito e depois pareço mainstream e posso ser acusada de ter um gosto americanizado à lá blockbuster, mas se só dou títulos de filmes independentes lá vêm eles dizer “bah, esta gaja acha que é demasiado boa para o Guardiões da Galáxia 2”, e continuamos assim incapaz de decidir-me que merda de dez filmes são os melhores num ano que tenho a impressão que mal fui ao cinema, deixando-me na véspera do meu voo numa crise de ansiedade terrível, mas se não acabo isto não me posso pôr a ver os dois episódios que me faltam para acabar a segunda temporada do The Crown, e sem isso não me vão deixar reentrar em Terras de Sua Majestade, que isto do passaporte europeu é muito bonito mas só em países com siso.
E, por isso, sem mais demoras nem paninhos quentes, e numa ordem um bocado aleatória mas vamos fingir que não, aqui vão os dez filmes (dos que vi) que considero os melhores de 2017 (para a minha pessoa), assim como um que ainda me está a remoer e um documentário (porque adoro documentários e este ano parece ter sido pobre nisso) do qual ninguém ouviu falar, para aumentar as minhas possibilidades de contribuir para a lista dos Cahiers do próximo ano.
10º Lugar
Atomic Blonde – Agente Especial, de David Leitch
Filmes de espiões durante a Guerra Fria dão-me os calores em sítios especiais. Quando têm a Charlize Theron cheia de nódoas negras a fingir que tem um sotaque britânico, então, a coisa está ganha. Com cenas de acção muito melhores do que aquelas daquele filme com o tipo que têm lâminas nas mãos, não percebo porque é que toda a gente resolveu, ou ignorar, ou odiar este filme. Serão os neons? A música dos anos 80? O facto de ter resolvido estrear demasiado perto de outro filme com uma protagonista feminina (como sabem, tal não é permitido, porque há um limite de resistência de metade da população mundial em não se ver representado na personagem principal de uma ficção). Não faço ideia. Só sei que espero que, graças aos filmes de bordo de avião e sessões de cinema dominicais na televisão pública, este filme ganhe a popularidade que merece.
9º Lugar
Um Desastre de Artista, de James Franco
YOU’RE TEARING ME APART LISA! Para os falhados que nunca tiveram a oportunidade de ver o clássico que é o The Room (diz ela, que só o viu há umas semanitas atrás), a genialidade de The Disaster Artist irá, possivelmente, passar-vos ao lado. Uma espécie de La La Land realista, o filme mostra o que realmente acontece quando vocês decidem-se mudar para Los Angeles e tentam singrar como actores, com amigos estranhos de claro sotaque da Europa do Leste. Tenho a impressão que o filme vai ganhar vários prémios, que não mais seja para James Franco, que interpreta o pior actor do mundo (oh a ironia!), porque não há nada que a indústria mais goste do que se rir de si própria. Eu sei, porque sou a indústria. Agora deixem-me ir ali queimar umas curtas para que nunca vejam a luz do dia…
8º Lugar
A Ghost Story, de David Lowery
A razão que me fez sentar o rabo a ver este filme foi simples – não conseguia perceber como raio iam espremer uma premissa tão simples durante o tempo necessário para fazer uma longa-metragem. Ora, o trailer deixa parecer que isto ia parar numa xaropada romântica de todo o tamanho, mas, meus amigos, graças aos deuses todos, não é isso que acontece. O que acontece é um filme lento, existencialista, que nos fala da memória das coisas sem dizer uma única palavra. Sim, a maior parte do filme são planos parados com Casey Affleck debaixo de um lençol. Não, não é uma comédia. Aliás, há pessoal capaz de largar uma lágrimazita ou outra naquele final. É uma boa companion piece para o Mãe!, mas só se estiverem num bom lugar na vossa saúde mental e sem acesso a doses letais de rabanadas.
7º Lugar
Raw, de Julie Ducournau
Eu não sou fanática de filmes de terror, mas tenho três na minha lista de 2017. Este é o primeiro. Filme francês (ms. worldwide!), supostamente de 2016, mas que só estreou em condições este ano, é talvez o segundo filme mais gráfico que vi em 2017. A história de uma adolescente vegetariana que, por causa de uma praxe na escola veterinária, prova carne pela primeira vez, é uma versão moderna e bastante europeia (tradução: com sexo e nudez à fartazana) do Tentadora Maldição. E, tal como esse, fala-nos dos perigos desenfreados da sexualidade feminina. Não tem grandes twists – é óbvio que Justine (interpretada por Garance Marillier) passa de vegetariana para canibal -, mas nem por isso deixa de ser um filmaço à maneira, com uma narrativa rodeada de carcaças animais e do macabro que é qualquer faculdade de ciências médicas. O Cronenberg está orgulhoso.
6º Lugar
I, Tonya, de Craig Gillespie
Tenho um fraquinho por histórias baseadas em eventos reais. Principalmente quando se passam em gelo. O ano passado o fraquinho recaiu no Eddie, a Águia. Este ano, tenho o I, Tony. Não sabendo nada sobre a vida de Tonya Harding além do que se deixa adivinhar no trailer, fui à espera de ver uma espécie de Cisne Negro onde a Margot Robbie parte as canelas à rival num momento de fúria. E sim, apesar de não tão simbólico ou expressionista como o filme do Aronovsky, I, Tonya é a história de uma miúda emocionalmente abusada pela mãe que se torna numa das melhores patinadoras artísticas de sempre, só que não tem a imagem ideal para ser premiada como tal. Redneck, de família pobre e com um marido que lhe bate, Tonya não parece pertencer ao mundo de lantejoulas e casacos de peles da patinagem artística, mas isso não a deixa desistir. Apesar da terceira parte perder um bocadinho do fôlego, a maneira como Gillespie conta a história – uma espécie de mockumentary baseado em entrevistas reais (sim, mesmo as partes surreais, como vemos nas cenas pós-créditos), com cenas incríveis de patinagem, onde ouvimos a respiração da atleta – faz de I, Tonya um senhor filme sobre um desporto que não nos interessa absolutamente nada.
5º Lugar
Blade Runner 2049, de Dennis Villeneuve
Se filmes de terror não são a minha onda, ficção científica pesadona de inspiração distópica é o meu género cinematográfico preferido. Venha a heresia primeiro – prefiro este filme a quaisquer das 107 versões do filme de Ridley Scott e não é só por causa deste ter o Ryan Gosling num casaco todo pipi. A questão já não é se K (a personagem de Gosling) é ou não um Replicante – claro que é. Mas é ele o Salvador da Robotidade? Será ele especial? São três horas de cinematografia orgásmica que, se não dão o Óscar ao Roger Deakins, mostram que o homem tem inimigos sérios dentro da Academia. Mesmo os momentos que toda a gente parece odiar – os plágios do Her – Uma História de Amor, do Jonze, ou a luta interminável dentro de água – são, e digo-o eu que sei e sou a autoridade absoluta dentro desta lista, geniais. É também a coisa mais próxima a um blockbuster dentro da minha lista – o remake de um clássico de culto por um realizador canadiano-francês. Fiquei também com a impressão de que, mais do que um Star Trek pelo Tarantino, o que eu queria mesmo é que dessem um Star Wars ao Villeneuve. Vá lá e não digam que vêm daqui.
4º Lugar
Prevenge, de Alice Lowe
Alice Lowe, que realizou e interpretou este filme enquanto grávida de oito meses, mostra a superioridade da realizadora ao homem, que se deixa ir abaixo com uma simples man flu. Não há como os britânicos para fazerem uma comédia negra e Prevenge é negríssima. Premissa: o bebé que habita a barriga de Ruth fá-la matar as pessoas à sua volta, desde os idiotas que resolvem flirtar com ela no bar, até ao instrutor de escalada responsável pela morte do pai da criança. O contraste entre as consultas de maternidade de Ruth e a sua vida dupla são hilariantes e Lowe não se abstém de ir ao gore só para conseguir umas risadas extra. Somos pessoas horríveis e achamos piada a mulheres extremamente grávidas irem numa rampage de assassinatos. Yep. Temos pena.
3º Lugar
Colossal, de Nacho Vigalondo
Gloria está a gastar a vida em Nova Iorque até ser expulsa de casa pelo namorado, farto das bebedeiras dela. Ela volta à terrinha e não, não se apaixona pelo velho crush e reencontra o sentido da vida. Valha-nos deus, por quem me têm? Ela descobre que há um monstro em Seoul que, de uma maneira misteriosa qualquer, está ligado a ela. Ou seja, o monstro é ela (dum dum dum!). Daí para a frente, não, não é uma comédia, e muito menos um romance – Gloria tem de aprender a ser a sua própria pessoa, a cortar com relações abusivas e, no meio disto tudo, a salvar a capital da Coreia do Sul de ser dizimada. Extremamente original, não cai na direcção que esperamos e, bolas, há quanto tempo é que não nos lembrávamos de que a Anne Hathaway podia ser uma excelente actriz?
2º Lugar
Lady Bird, de Greta Gerwig
Este foi dos filmes que, por pouco, escapava-me da lista. E vejam-no agora, em segundo lugar! A história semi-autobiográfica de Christine “Lady Bird” McPherson, que mal pode esperar para escapar a família e Sacramento, Califórnia, para ir para uma universidade na Costa Este, é das coisinhas mais lindas que já vi em sei lá quanto tempo. Talvez por não estar habituada a ver esta história contada do ponto de vista feminino; talvez porque é uma história em que qualquer pessoa semi-artística que vem de um meio pouco ou nada culturalmente relevante se pode rever. Não sei. Sei que quem não gosta deste filme pode já retirar-se da minha lista de amigos. Vá, imediatamente, suas criaturas sem sentimentos.
1º Lugar
Foge, de Jordan Peele
Um filme que consegue transmitir a uma maioria como é que a minoria se sente, de uma maneira leve, sem moralidades, mas mesmo assim acutilante, é um grande filme. Foge é aquele que eu sei que vai ficar na história do cinema, mencionado ad nauseam em manuais de realização (qual ópera wagneriana, Peele não deixa o mínimo detalhe ao acaso), e pronto, faz parte de quase todas as listas de melhores deste ano. Considero-o perfeito – sim, até o contestado final – e acima de qualquer ataque (tal como as verdades máximas religiosas). Isto entretanto vai-me passar quando vir o próximo filme do Peele e o achar inferior/pretensioso/bolas-mas-este-gajo-sabe-fazer-alguma-coisa-de-jeito?, mas agora, avé Foge cheio de graça, o primeiro lugar é convosco.
Aquele que não sei ainda se odeio ou se adoro
Mãe!, de Darren Aronofsky
Mas que raio foi isto. Deus é um merdas. A mãe natureza está a ser abusada. Somos todos umas bestas. Michelle Pfeiffer!! Não sei quem é o fornecedor de drogas do Aronovsky, mas se alguém tiver o número, pm sff.
O doc que ninguém viu
Craigslist Allstars, de Samira Elagoz
Samira decidiu encontrar-se com pessoas na famosa craigslist e filmar os encontros. Vale tudo, de truques de magia a sessões sado-masoquistas. Talvez um dos exemplos mais curiosos que alguma vez vi do uso do “video-diário”, assim como um objecto interessante para abrir o debate sobre os limites do documentário e até que ponto é legítimo o documentarista se envolver com o seu próprio objecto de observação. Enfim, um daqueles que daria um óptimo artigo intelectual, mas o Pedro já me está a atirar pedras à janela pra eu lhe enviar o texto. Acabemos então. Bons filmes e até para o ano.
PS – resolução de ano novo: escrever isto sem ser em cima do joelho à última da hora.