Quem diria que o homem que inventou o blockbuster como o conhecemos hoje, rompendo com a nova Hollywood, se iria tornar, 40 anos depois, na voz da consciência americana? A Lista de Schindler marcou uma viagem na temática (e na seriedade) dos filmes de Steven Spielberg, que desde então tem abraçado temas mais sensíveis. Além do Holocausto, o massacre dos Jogos Olímpicos de 1972 (olá Munique), o Dia D (olá O Resgate do Soldado Ryan) ou o esclavagismo norte-americano (olá Amistad), por exemplo, marcaram essa agenda mais comprometida do realizador, que agora se atira aos Pentagon Papers, neste The Post.
Em 1971, durante a adinistração Nixon, chegou à comunicação social uns relatórios secretos que denunciavam que os Estados Unidos sabiam desde o primeiro dia que a guerra no Vietname estava condenada ao insucesso. E mesmo assim continuaram a enviar soldados para o terreno durante duas décadas. O Governo tentou abafar a história e proibiu a publicação do que ficaria conhecido como os Pentagon Papers, mas um jornal – o Washington Post -, uma dona determinada (Kay Graham, interpretada por Meryl Streep) e um chefe de redacção com alto sentido de dever (Ben Bradlee, encarnado por Tom Hanks) decidiram contrariar essas ordens superiores em nome do estado de direito e da liberdade de imprensa e de expressão.
Apesar desta história se ter passado ontem, existem vários pontos de contacto com o hoje. Afinal de contas, toda a gente sabe que a História – com letra maiúscula – se repete. E isso é o principal em The Post, essa pertinência histórica que pode servir para alertar muita gente para os tempos conturbados em que vivemos e o que de pior pode advir daí. Ora vejamos: desde a presidência Nixon que não víamos uma administração norte-americana tão controversa e tão pouco amiga da imprensa quanto a de Trump (cujo fantasma é omnipresente em todo o filme); as fake news estão aí em força e o descrédito dos jornalistas é cada vez maior; e a emancipação feminina, especialmente nos universos tradicionalmente masculinos, é cada vez mais imponente. Todos estes temas estão bem vincados em The Post.
as Spielberg nunca consegue propriamente desembaraçar-se deste material, dando a impressão que o caderno de encargos era maior do que a encomenda. Speilberg filma com destreza, mas limitando-se a ilutstrar o argumento. E especialmente a primeira parte é particularmente maçuda. Depois melhora – também ajuda ter actores como Streep e Hanks, que nunca estão mal -, mas este não é um título que ficará propriamente em destaque na filmografia de Spielberg. A herança de The Post é aquele cinema politicamente engajado da América dos anos 70 (Robert Redford, Pakula, Serpico, O Enviado da Manchúria…), mas a tentativa de Spielberg é como uma versão amaciada destes filmes. E vindo de quem vem, um Double Cheeseburger sabe sempre a (muito) pouco.
Título: The Post
Realizador: Steven Spielberg
Ano: 2017