| CRÍTICAS | Blackkklansman – O Infiltrado

É fácil olhar para a sinopse de Blackkklansman – O Infiltrado e perceber que daria um filme bem diferente consoante o realizador escolhido. Por exemplo, se virmos o cartaz do filme imaginamos facilmente uma comédia de enganos com o Martin Lawrence e o Jonah Hill (estão a perceber a referência ao Jonah Hill que fiz aqui?).

Nesta altura do campeonato é difícil não saber ainda a sinopse do filme, mas se esteve nas últimas semanas a viver numa caverna no deserto, aqui vai ela. Blackkklansman – O Infiltrado é a história verídica de um polícia negro que, nos anos 70, se infiltrou no Ku Kux Klan. E perante o bizarro da situação, ela só pode ser verídica.

Mas o realizador é Spike Lee e, por isso, não é propriamente uma comédia que nos espera. Lee, que finalmente tem companhia no seu cinema político (olá Jordan Peele, como estás?), é o mais activista dos realizadores activistas em questões raciais e, por isso, não podia ser o homem mais certo no lugar certo. E eu, que nem sequer sou um adepto fervoroso dos filmes de Lee, dei por mim entusiasmado por ir ver Blackkklansman – O Infiltrado.

Afinal de contas, vivemos tempos conturbados. E, apesar do filme se passar nos anos 70, a história podia quase passar-se hoje em dia. Aliás, não é por acaso que Lee termina o filme com imagens reis dos confrontos em Charlottesville no ano passado, naquele que é, provavelmente, o seu gesto político mais declarado da sua obra. Mas Spike Lee nem precisava disso – que, apesar do evidente poder dramático, era escusado do ponto de vista fílmico -, uma vez que tem a mesma força a cena em que David Duke antecipa o slogan de Trump (ele que sempre foi um percursor do próprio Trump) ou o monólogo inicial de Alec Baldwin, tão racista quanto actual (e não é outra vez por acaso que seja dado pelo actor que se
especializou a parodiar o actual presidente norte-americano no Saturday Night Live).

Blackkklasman – O Infiltrado é assim um policial com o estilo desgarrado de Lee e a banda-sonora hiperbólica a condizer, que vai beber directamente à blaxploitation. No fundo, é mais ou menos aquilo que David O. Russell queria fazer em Golpada Americana e falhou redondamente. Com Denzel Washington a ficar velho, Lee não podia ter encontrado melhor substituto: John David Washington, o próprio filho de Denzel. É ele o polícia negro que se infiltrará no KKK e o seu parceiro, Adam Driver, tomará o seu lugar física e presencialmente.

Spike Lee utiliza o humor para mostrar o absurdo do Klan, mas tem a noção de que o ridículo já não é suficiente para descredibilizar os racistas saloios. Por isso, não se fica pelos gags como, por exemplo, Quentin Tarantino fez no seu Django Libertado (percebem agora a referência inicial a Jonah Hill?). Lee recorre a O Nascimento de uma Nação outra vez, esse hino laudatório ao KKK e ao racismo (é, inclusive, o filme que criou o hábito parvo de eles queimarem cruzes, porque Griffith achou que ficaria bem no grande ecrã) para virar a ponta do prego e manda-lo à merda.

Infelizmente, o remate de Blackkklansman – O Infiltrado é inferior ao resto do filme e não o deixa ao nível de um Não Dês Bronca. E, no entanto, é o melhor McRoyal Deluxe da filmografia recente de Spike Lee. E a pertinência do tema só lhe dá mais sabor.

Título: BlacKkKlansman
Realizador: Spike Lee
Ano: 2018

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