Depois do sucesso de Drive – Risco Duplo, Nicolas Winding Refn e Ryan Gosling decidiram repetir a dose, com Só Deus Perdoa. E este vosso escriba, admirador confesso da obra do primeiro, salivou de expectativa, qual cão de Pavlov. Mesmo quando o filme começou a levar pancada de todo o lado – inclusive de Cannes, onde foi sovado com o mesmo entusiasmo com que Drive – Risco Duplo tinha sido louvado dois anos atrás – mantive as expectativas em alta.
Como o título indica, Só Deus Perdoa é uma história de vingança. A de um pai que mata o assassino (e violador) da sua filha, sob a benção de um ex-polícia na pele de anjo vingador, e da mãe do assassino que tenta vingar o filho a todo o custo (isto é, pagando o que tiver que pagar a quem quer que seja). Pelo meio, há Ryan Gosling, em formato silencioso novamente (os heróis com ar de enjoados de Melville continuam a fazer escola – olá Ofício de Matar), que é o irmão desse assassino/violador e o filho pisado pela mãe tirana (uma irreconhecível Kristin Scott Thomas).
Talvez porque sabe onde estão as melhores histórias de vingança (alguém mencionou Chan-wook Park?), Refn foi filmar ao Oriente, mais especificamente à Tailândia, numa opção tanto artística quanto estética. No entanto, em Só Deus Perdoa, o realizador dinamarquês parece que teve uma overdose do seu próprio cinema, inflando como um peixe-balão com doses industriais daquilo que tem tornado o seu corpo de obra anterior reconhecível, perdendo completamente a sensibilidade necessária para o controlar ou manipular. Só Deus Perdoa é assim altamente formalista e estilizado, acabando a forma por atropelar o conteúdo, deixando-o oco e vazio.
A influência de Kubrick, o rei dos formalistas, é visível, assim como o ambiente misterioso de David Lynch (aqui mais fantasmático ainda que os neóns de Drive – Risco Duplo“), mas Só Deus Perdoa não tem um pingo de personalidade. Parece um monstro de Frankenstein, retalhado com momentos assépticos, onde a estilização limpa tudo e não deixa nada por dizer, numa fotografia tão imaculada que varre para debaixo do tapete o deboche de Banguecoque que, no fundo, foi o motivo para Refn ir para lá filmar esta história. Pelo meio, os relampejos de violência gráfica que já nos habituou antes, desta vez associados a uns diálogos macabros e escabrosos, que não lembram ao menino de Jesus.
Só Deus Perdoa tem assim um sensacionalismo barato aliado a uma reflexão mallickiana que não funciona, ponto final parágrafo. Porque Só Deus Perdoa não tem nada para dizer: Ryan Gosling anda por lá, por exemplo, mas é apenas mais um fantasma, neste jogo de espelhos virados para o próprio umbigo do realizador. No final, quando termina, há uma homenagem a Alejandro Jodorowsky – e isso é a única coisa que faz sentido em todo o filme. Contudo, enquanto que o autor chileno parece ter sempre um motivo obscuro por trás, um aura espiritual (só é surrealista quem pode, não quem quer), Refn dá a impressão de se limitar a ser esquisito porque sim.
Provavelmente, o tempo irá transformar este Só Deus Perdoa num qualquer filme de culto, escrevendo-se que, aquando da sua estreia, foi um filme incompreendido. Eu não punha as mãos no fogo, porque tudo me parece uma enorme diarreia cerebral. Nada que belisque o meu fervor pela obra anterior de Nicolas Winding Refn, mas aqui não lhe dou mais do que um Pão com Manteiga. E só não coloco o filme na lista dos piores do ano, porque já é Janeiro.
Título: Only God Forgives
Realizador: Nicolas Winding Refn
Ano: 2013