Alfonso Cuarón não filmava há 5 anos, desde Gravidade. E este seu regresso não podia ser mais diferente do filme antecessor. Roma é um filme pessoal e quase artesanal, ao contrário do fogo-de-artifício e da masturbação digital do seu premiado blockbuster espacial, rodado no México. E se bem nos lembramos, a última vez que o realizador filmou na sua terra natal, ainda estavamos nós na mudança de século, a coisa correu particularmente bem (alguém mencionou E a tua Mãe Também?).
Roma é então a crónica familiar ao longo de um ano de uma família mexicana de classe alta, no bairro de Roma. Apesar de se debruçar sobre toda a família – o pai, médico, cada vez mais ausente, nos braços da amante, a mãe e os três filhos -, a história foca-se sobretudo na figura de uma das amas da casa, Cleo (Yalitza Aparicio). É, portanto, um fresco neo-realista da vida mexicana dos anos 70, que capta simultaneamente a vida doméstica mas também o contexto socio-cultural da época (o Mundial de Futebol, a guerra suja nas ruas…), condensando num só filme os mecanismos da novela. O que não deixa de ser curioso tendo em conta que Roma é uma produção Netflix.
Filmado num preto e branco luminoso e de alto contraste, Cuarón filma à distância, para dar espaço e liberdade aos seus actores, em planos que são sobretudo fixos ou que rodam apenas de forma pivoteante na horizontal. Por isso, não é por acaso que, o único plano em que a câmara se move na vertical, seja o final, em que Cleo sobe umas escadas e a câmara segue o movimento num contra-picado, como se ela ascendesse aos céus e se libertasse da condição terrena que tem durante o resto de Roma.
É um filme de actores, com uma mensagem política e social, ou não fosse o filme sobre a figura da ama (dedicado inclusive à ama de infância do próprio Cuarón), uma parte fundamental da família de classe alta sul-americana, mas sem escapar à submissão e à subverniência. Faz lembrar outros filmes semelhantes, em que a passagem do tempo é marcada, como por exemplo Boyhood – Momento de uma Vida, para pegar no caso mais extremo.
Roma é, por isso, um filme longo, até porque nos convida a fazer parte dele. Poderia ser mais curto? Talvez, mas se calhar não teria o mesmo impacto. É algo que nunca saberemos. O certo é que este McRoyal Deluxe é um Cuarón bem diferente do Cuarón norte-americano, que estamos habituados a ver a trabalhar em Hollywood e isso não lhe fica nada mal.
Título: Roma
Realizador: Alfonso Cuarón
Ano: 2018