Não há forma de dizer isto de outra maneira. O melhor é faze-lo assim, de chofre e de um só fôlego, como quem arranca um penso. Ora cá vai: Tina não deve muito à beleza.
Tina (magnífica interpretação de Eva Melander por baixo das próteses) tem ainda uma estranha capacidade para cheirar os sentimentos mais perversos das pessoas (vergonha, medo…), o que a tornam numa valiosa trabalhadora na alfândega do porto. Mais tarde, acabará recrutada pela polícia para apanhar uns pérfidos pedófilos.
Mas é no porto que acabará por conhecer Vore (Eero Milonoff, também por baixo de próteses), um tipo igualmente estranho e com muitas semelhanças físicas e o mesmo medo de trovoadas (e uma aparente e estranha predisposição para levar com raios em cima). Vore entrará na vida de Tina, que o acolherá na mesma casa que divide com um saloio (Jorgen Thorsson) que cria pitbulls.
Na Fronteira adapta uma história de John Ajvide Lindqvist, o mesmo autor de Deixa-me Entrar, e, tal como esse, também aqui recorre-se ao fantástico para se reflectir e explorar ideias de género, de exclusão e discriminação e, claro, a dicotomia mais antiga de todas, as diferenças entre o bem e o mal. E a grande premissa do filme que é: será o Bem uma condição indispensável ao Humanismo?
O realizador Ali Abbassi desconstrói estes temas da mesma forma com que joga e explora os códigos do cinema de género, num gesto cinematográfico de grande amplitude, que vai do fantástico e da fábula-quase-Disney ao drama social e ao melodrama mais expressionista. E há sempre uma aura de esquisitice a pairar e a deixar tudo mais enublado.
Para quem conhece minimamente a cultura norueguesa é óbvio do que trata Na Fronteira, mas mesmo para esses o factor uau tem efeito (se bem que, por outros motivos). E, apesar das várias camadas de leitura, não há nada de confuso ou de maçudo no filme. É como o McRoyal Deluxe: são várias camadas de ingredientes diferentes, mas cada uma só serve para lhe dar um sabor diferente.
Título: Gräns
Realizador: Ali Abbassi
Ano: 2018