No início, o futuro era brilhante e nada parecia correr mal. A Netflix surgia como uma alternativa criativa à espartilhada indústria cinematográfica, refém das bilheteiras e do lucro, onde os autores voltaram a ter liberdade total e onde os filmes que saiam das gavetas da normalização pré-formatada de Hollywood tinham finalmente espaço para existir.
No início, o futuro era brilhante, mas rapidamente o cenário mudou. Seja por causa da pressão do mercado, seja pela concorrência dos outros serviços de streaming, o que ´ºe certo é que não demorou para a Netflix perder critério e se tornar numa espécie de alternativa (um poucachinho) mais credível do que o straight-to-video. Actualmente, as produções próprias da Netflix incluem cada vez mais lixo e coisas (totalmente) dispensáveis.
Um filme como Silêncio é um bom exemplo disso. Mesmo que, supostamente, tenha começado a ser feito antes de Um Lugar Silencioso, é impossível não o ver como um derivado genérico e xunga desse filme de John Krasinski. Também não ajuda ter ao leme John R. Leonetti, realizador feito no cinema de terror mais anónimo e bocejante dos últimos tempos (alguém mencionou Annabelle?).
Silêncio parece construído com pedaços avulso de vários outros filmes de género. Ora vejamos: começa com uns arqueólogos a abrirem uma caverna fechada há séculos e a libertar uma horda de criaturas tão mortíferas quanto vorazes, que apesar de serem chamadas de vespas, mais parecem uns morcegos feitos pelo Giger. As vespas são cegas e, por isso, quem quiser sobreviver não pode fazer barulho. Onde é que já vi isto? Cenário perfeito para a família de Ally (Kiernan Shipka), uma menina surda, já que todos falam linguagem gestual.
Vamos então ter o momento Bird Box, em que eles fogem de casa; o momento qualquer-filme-pós-apocalíptico-ou-catástrofe em que escapam à cidade pilhada; o momento Cargo, em que têm que ir buscar antibióticos; e o momento Walking Dead, em que encontram uma seita malévola de sobreviventes loucos. Silêncio é assim um monstro de Frankenstein, com as várias peças coladas com cuspo a ameaçarem desfazerem-se a qualquer momento.
E até a premissa do filme, a de ter uma miúda surda num mundo onde não pode haver barulho, é totalmente relativizada, já que não tem qualquer interferência em Silêncio. Ally tanto podia ser surda, como anã ou ter uma unha encravada, que era exactamente igual ao litro. Um Hamburga de Choco que nem sequer Stanley Tucci salva da mediocridade franciscana.
Título: The Silence
Realizador: John R. Leonetti
Ano: 2019