| CRÍTICAS | Os Mortos Não Morrem

E, de repente, estamos em 2019 e Jim Jarmusch transforma-se num fenómeno de massas. Para isso bastou fazer um filme de zombies com actores relativamente familiares (Bill Murray e Adam Driver, se bem que o elenco é todo ele uma constelação de estrelas) e o Tom Waits e Iggy Pop. O cinema é mesmo um lugar estranho.

Os Mortos Não Morrem é então Jim Jarmusch a brincar aos filmes de zombies, ele que sempre gostou de experimentar os diferentes géneros. O filme de vampiros em Só os Amantes Sobrevivem, o filme de samurais em Ghost Dog – O Método do Samurai ou até mesmo a comedia all’italiana em O Comboio Mistério. No entanto, independentemente do que faça, os filmes de Jarmusch terão sempre a sua marca autoral muito própria.

Essa marca é um cinema com um ritmo muito peculiar, uma liberdade que lhe ficou desde o (verdadeiro) cinema independente (vimos Sempre em Férias e a nossa vida nunca mais foi a mesma), a cultura pop reciclada juntamente com as referências cinéfilas (Tarantino é o rei dessa bricolage, mas Jarmusch fa-lo de forma muito peculiar) e esse cruzamento do cinema de género, mas apropriado em algo novo. Em Os Mortos Não Morrem isso reflecte-se em piscadelas de olho a Samuel Fuller, publicidade descarada a Sturgill Simpson (oiçam a versão dele do In Bloom), meta-referências (do Star Wars de Adam Driver às constantes referências ao argumento próprio filme que estamos a ver) e, claro, Iggy Pop em versão zombies ou Tom Waits em versão narrador.

Aliás, se o elenco são todos habituais no cinema de Jarmusch, também encontramos em Os Mortos Não Morrem referências a outros títulos da sua filmografia. A personagem de Adam Driver que se chama… Peterson, a estrutura em mosaico que lembra um O Comboio Mistério ou o samurai de Tilda Swinton que certamente se iria dar muito bem com o de Forest Whitaker de Ghost Dog – O Método do Samurai. O que sobra de novo é um filme de zombies que satiriza a sociedade de consumo e que, por isso, também referencia à boca cheia A Noite dos Mortos-Vivos, de George A. Romero.

Os Mortos Não Morrem é uma comédia negra, que abraça o absurdo com aquele tom seco que vale a Jarmusch o epíteto de realizador mais europeu da América, e que faz lembrar mais o Shaun of the Dead do que o Marte Ataca! ou o Bem-vindo à Zombieland. É claramente um filme Jarmuschiano, ou seja, punk-rock em câmara lenta como alguém escreveu uma vez, mas que tem um problema grave, que é a filmografia anterior do realizador norte-americano. É impossível ver Os Mortos Não Morrem sem fazer a retrospectiva com toda a filmografia anterior; e, quando o fazemos, o Double Cheeseburger sabe inevitavelmente a pouco.

Título: The Dead Don’t Die
Realizador: Jim Jarmusch
Ano: 2019

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