Este texto não é sobre a música de Taylor Swift.
Aqui há tempos, quando anunciaram que a Taylor Swift seria cabeça de cartaz no Alive, o meu feed do Facebook inundou-se subitamente de ódio. Não só não percebi porquê, como fiquei bastante desconfortável com o fenómeno. Apesar de um ocasional abanar de anca ao som de Shake it Off, nunca me passou pela cabeça tocar uma canção dela, por me parecerem infantis e sensaboronas. Mas, caramba!, tudo aquilo me pareceu excessivo.
Miss Americana podia facilmente ser desconsiderado. Ouvir uma miúda com uma pornográfica quantidade de dinheiro queixar-se da sua vida pode ser um exercício difícil. Ao longo do documentário, Swift vai largando tiradas mais ou menos ingénuas e custa ver quando, em pleno processo criativo, se entusiasma com versos confrangedores.
Mas este texto não é sobre a música de Taylor Swift. A verdade é que há pouca coisa mais interessante do que o processo de tornar uma miúda num produto. O processo ali é fácil, Swift confessa que, desde a infância, aquilo que mais importa para ela é que os outros a percepcionem como sendo boa, que gostem dela. Ora, está meio caminho andando, não é? Um produto, para ser vendável, tem de oferecer o mínimo de resistência possível. Uma rapariga para ser vendável (e se Swift o foi/é!) tem de ser jovem, sexualizada, magra, bonita, inofensiva, apolítica e constantemente nova e fresca.
Ora, um produto ser estas coisas todas não tem nada de mal, muito pelo contrário. Mas qual será o impacto disto numa pessoa? Numa miúda? Já vimos este processo destruir muita gente desde, pelo menos, o Elvis, mas não assim.
Os traços de misoginia que estão presentes no ódio a Swift são difíceis de ignorar. E o pior é que esses traços são aqui amplificados pela natureza pública da personagem (literalmente). Mas talvez não sejam traços que sejam estranhos a raparigas e mulheres que não se chamam Taylor Swift.
Não sei quanto a vocês, mas eu nunca tinha pensado no processo mental pelo qual Swift passa quando contempla a maternidade. Nem no que lhe passa pela cabeça quando vê uma fotografia publicada que a faz parecer gorda. Nem, para dizer a verdade, no que terá implicado para ela ter sido vítima do atrasado mental do Kanye West.
É verdade que Miss Americana é um documentário sobre Taylor Swift, segundo Taylor Swift. Mas essa é uma perspectiva que, por incrível que pareça, está a faltar. Porque é assustadora a facilidade com que tanta gente desata ao ataque misógino que parece não ter mal quando se trata de uma figura pública com estas características. E isso talvez diga mais de nós do que nós gostaríamos.
O autor confere a este documentário um McBacon.
* texto de Diogo Augusto
Título: Miss Americana
Realizador: Lana Wilson
Ano: 2019