| CRÍTICAS | O Ódio

Em 1995, Larry Clark lançava o filme-choque Miúdos e perguntava de forma provocadora: sabem o que os vossos filhos andam a fazer? A resposta não tinha papas na língua: sexo e drogas, tudo para combater o tédio que se instalava. Já cantava Kurt Cobain em 1991, no hino da Juventude dos anos 90, here we are no / entertain us. Na mesma altura, Mathieu Kassovitz dava o troco a Larry Clark e lançava a versão francesa de Miúdos. O Ódio perguntava a mesma coisa, mas a resposta era bem diferente: os miúdos franceses não andavam a ser consumidos pelo tédio, mas pelo ódio.

O Ódio é um mergulho nas ruas francesas, especialmente nos banlieus, os bairros suburbanos e sociais onde a realidade é bem diferente do que no centro de Paris. Aqui, os obstáculos sociais e culturais são mais fortes, impedindo os jovens de chegarem não só ao centro da cidade, mas igualmente ao topo da pirâmide social, como se no subúrbio a gravidade exercesse uma pressão maior. Nestes bairros, onde o racismo e a descriminação é também o pão nosso de cada dia – afinal de contas, a maioria são já as segundas e terceiras gerações de emigrantes africanos e árabes -, encontramos três jovens que representam esta miscigenação das ruas francesas: um judeu (Vincent Cassel), um árabe (Saïd Taghmaoui) e um africano (Hubert Koundé).

As personagens respondem pelos seus nomes reais, o que dá uma crueza visceral ainda mais forte a O Ódio. O contexto é o das ruas francesas dos anos 90 (e o antes como hoje, basta ver o filme de 2019, Os Miseráveis, para perceber como as coisas não mudaram assim tanto), em que a brutalidade policial tinha deixado as ruas a ferro e fogo, com protestos e motins com os jovens do banlieu. Afinal de contas, a França tem uma história de protestos e desobediência civil que faz parte do seu ADN desde aquele mês de Maio em 1968.

O Ódio acompanha estes três amigos durante 24 horas, levando-os inclusive para fora do bairro e obrigando-os a voltar sozinho. É uma espécie de demanda épica, um clássico desde os 12 trabalhos de Hércules, mas transposto para a realidade urbana contemporânea. Os Selvagens da Noite já o tinham feito como ninguém. O que O Ódio tem é a crueza in you face que ninguém estava à espera, apoiado num preto e branco de alto contraste (porque aqui só há bons e maus, não há tempo para nuances) e num estilo que ia beber directamente aos indie dos anos 90 (afinal de contas, o realizador Mathieu Kassovitz era um fã assumido de Spike Lee, que já tinha feito a sua versão de Os Bons Amantes, em Métisse).

Visto 25 anos depois, O Ódio pode actual, mas não deixa de ser um produto do seu tempo. E, quando comparado com Os Miseráveis, essa actualização do filme para o século XXI, faltam-lhe as nuances que nos levam a uma reflexão. O Ódio era o alerta que precisávamos nos anos 90; mas não é a resposta que necessitamos em 2020. Mas continua a ser um McChicken que deve ser visto todos os anos.

Títulos: La Haine
Realizador: Mathieu Kassovitz
Ano: 1995

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