| CRÍTICAS | Da 5 Bloods – Irmãos de Armas

Spike Lee disse em entrevista, acho que por alturas de Blakkksman – O Infiltrado, que uma das razões que o levou a ir para a escola de cinema foi para fazer o seu próprio O Nascimento de uma Nação. Desde o seu primeiro filme que o racismo – a discriminação racial, mas sobretudo o racismo estrutural, particularmente nos Estados Unidos – têm sido o tema de praticamente toda a sua obra. Por isso, quando o seu último trabalho estreia em plena convulsão social do movimento Black Lives Matter, não há como não o ver como um gesto político e demasiado pertinente. Mas às vezes parece que há gente que Spike Lee esteve sempre na primeira fila.

Com Da 5 Bloods – Irmãos de Armas, a sua primeira produção Netflix, Spike Lee faz o seu próprio Apocalypse Now, ou seja, o Apocalypse Now racializado (ele que também já tinha abordado o papel dos afro-americanos na Segunda Guerra Mundial em O Milagre em Sant’Anna). Por isso, quando os heróis de Da 5 Bloods – Irmãos de Armas, com Ho Chi Minh nas costas, sobem um rio em direcção à selva num daqueles barquinhos que vemos nos filmes do Vietname, é a Marcha das Valquírias que se ouve na banda-sonora. E isso não é coincidência, pois claro.

Da 5 Bloods – Irmãos de Armas é um filme de homens em missão, mais ao menos como Sacanas sem Lei (ou o original Seis Gloriosos Patifes), sobre quatro ex-soldados americanos negros (Delroy Lindo, Clarke Peters, Norma Lewis e Isiah Whitlock Jr.) que regressam ao Vietname para recuperar os restos mortais do quinto companheiro, caído em combate – Norm, uma espécie de guru do grupo, ou não fosse ele o próprio Pantera Negra (Chadwick Boseman). Mas, polo twist: já que lá estão, o grupo vai procurar também um baú cheio de ouro, que enterrou an altura, e tentar com isso repor alguma espécie de justiça poética. Aliás, todos os filmes de Spike Lee são eles próprios uma espécie de ajuste de contas com a sociedade branca norte-americana e com o privilégio branco, numa espécie de justiça mais poética que o wishful thinking de Tarantino em Era Uma Vez em… Hollywood.

Claro que estamos a falar de Spike Lee e, por isso, Da Da 5 Bloods – Irmãos de Armas vai passar por várias tonalidades diferentes, com várias camadas sobrepostas, onde o ponto fulcral é sempre o mesmo: a culpa. Incluindo a do colonizador, com a personagem de Mélanie Thierry e dos colegas, a filha de uma família aristocrata francesa, que agora está no Vietname a desminar a floresta. Além disso, Spike Lee experimenta ainda formatos diferentes, nomeadamente o 1.66 por 1 para os flashbacks, onde tem ainda a sua melhor opção estética em muitos anos: a de optar por usar os mesmos actores, sem qualquer maquilhagem de rejuvenescimento. Isso e o pormenor da banda-sonora ser apenas temas do Marvin Gaye, que acaba por ter o mesmo efeito que a banda-sonora do Kendrick Lamar em Black Panther.

Nesses flashbacks Spike Lee brinca ainda com o seu cope-paste do cinema de género, ao ensaiar cenas gloriosas de war movies, cheias de granulado, música épica e muito bodycount. Essas cenas fazem pandã com um dos melhores diálogos do filme, em que o grupo fala de heróis do grande ecrã, como o Rambo ou o Chuck Norris, que não aguentariam nem um minuto no verdadeiro Vietname. É nesses pormenores que Spike Lee é realmente bom e faz os seus filmes valer.

O problema de Da 5 Bloods – Irmãos de Armas é que Lee – tal como acontece também várias vezes – acaba por perder o controle do seu próprio filme, no meio de tanta coisa. E, às tantas, já estamos apenas a ver um filme de tiros, especialmente quando Jean Reno entra em cena. Há muita coisa interessante em Da 5 Bloods – Irmãos de Armas – como os monólogos (e toda a prestação, diga-se) de Delroy Lindo, em quem o filme acaba por se apoiar em demasia -, mas no final acaba por ficar soterrada em toneladas de informação, personagens secundárias, subplots e um final desnecessariamente lamechas. Esta ganza de Spike Lee vale mais pelo contexto, do que pelo resto. Vejam, mas não se esqueçam do Double Cheeseburger para mais tarde. A ganza dá larica.

Título: Da 5 Bloods
Realizador: Spike Lee
Ano: 2020

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