Em 1976, um então semi-desconhecido e muito novinho John Travolta trazia para o pequeno-ecrã, em O Rapaz na Redoma, a vida de David Vetter, um rapaz que não tinha sistema imunitário e que, por isso, tinha que viver numa bolha de plástico. Hoje, em plena pandemia do novo coronavírus, olhamos para ele com novos olhos. Afinal de contas, também estamos a viver numa espécie de redoma, com as nossas máscaras, higienização constante e distanciamento social.
Eli (Charlie Shotwell) é outro rapaz na redoma, que parece ser alérgico ao exterior. Isso faz com que viva numa redoma ou dentro de um fato espacial. Os pais (Kelly Reilly e Max Martini) decidem então empenhar o seu último anel de rubi e, numa última tentativa, levam-no para uma clínica especial, hermeticamente higienizada, no meio do nada, em que a doutora Lili Taylor cura rapazinhos com o mesmo problema através de uma técnica inovadora.
No fundo, Eli é uma variação da casa assombrada, aqui com a particularidade de ser duplamente isolada. Ou seja, não só está isolada do mundo, localizada num local ermo e afastado da civilização, como está isolada do exterior, já que os seus ocupantes não podem sair daquelas paredes para não contaminar o espaço interior. Tudo o resto é, depois, o habitual do género: Eli vai começar a ver fantasmas ameaçadores, a doutora diz que são apenas alucinações da medicação, mas uma estranha miúda que aparece à noite à janela para conversar (Sadie Sink) confirma que, não só os fantasmas são reais, como são os fantasmas dos pacientes anteriores que morreram.
Eli desenvolve-se então entre a paranóia de que aqueles médicos estão a esconder algo e o filme de sustos, com jump scenes e criaturas que parecem retiradas do catálogo “criaturas sobrenaturais genéricas para host stories, volume 1”. Paralelamente a isso, o realizador Ciarán Foy tenta ainda injectar drama familiar, ao criar desconforto entre os pais de Eli, que começam a não se entender no que fazer. Contudo, fica sempre a ideia de que há mais tensão no argumento do que propriamente no filme, já que as discussões raramente reflectem o que se está a passar na história. É como se o argumento andasse sempre uma cena à frente do filme que estamos a ver.
Tudo isto resulta num filme derivativo, mas ligeiramente simpático, que não ofende ninguém, até que… Ciarán Foy decide mandar o argumento às malgas! De súbito, no último terço, eis que um twist mirabolante não só dá a volta ao filme como inicia um outro, totalmente novo. É como se, de repente, quisessem que nos esquecêssemos de tudo o que vimos antes para conseguirmos acreditar no que vamos ver depois. Lá se vai a paranóia higienizadora, a ciência dá lugar à religião e à superstição, aparecem exorcismo caídos do céu por não terem unhas e Eli dirige-se perigosamente para a normalização do filme de super-heróis, como se os produtores tivessem a esperança secreta de que isto desse direito a um franchise futuro (por favor, Deus, não o permitais). Difícil de engolir tanta baboseira junta, o mais provável é nem conseguir terminar o Happy Meal.
Título: Eli
Realizador: Ciarán Foy
Ano: 2019