| CRÍTICAS | Os 7 de Chicago

Em 1968, os Estados Unidos estavam a ferro e fogo (ontem como hoje), cheios de convulsões sociais internas, espoletadas pelo Vietname, pelos direitos negros ou pela causa feminista. Em Agosto desse ano, o partido Democrata organiza a sua convenção para escolher o seu candidato presencial em Chicago e vários colectivos activistas aproveitam para convocarem protestos, marchas e manifestações na cidade. Durante cinco dias, as coisas escalam perigosamente e rebentam em confrontos com a polícia, que envia para o hospital centenas de manifestantes.

Pouco depois, o Ministério Público tenta passar uma mensagem e acusa 8 pessoas (se bem que uma das acusações cairia pelo meio) de conspiração e incitação ao motim, para dar como exemplo a outros activistas. Com um juiz claramente parcial, o julgamento arrasta-se por meses e transforma-se num acontecimento mediático fundamental na história norte-americana em particular e na história ocidental em geral. Portanto, tendo em conta as semelhanças com o período em que vivemos, uma adaptação ao pequeno ecrã pela Netflix não poderia vir em melhor hora.

Este é também um daqueles casos que grita Aaron Sorkin por todos os lados. E, pela segunda vez na sua carreira, o argumentistas experimenta aliar a cadeira de realizador à sua habitual prática de escrita. Estão lá todos os sinais do seu corpo de obra: um caso real de tribunal, com dezenas de personagens, que é o cenário ideal para o cinema palavroso, de diálogos rápidos, que Sorkin adora e que é exímio a escrever. É certo que ninguém fala assim na vida real – especialmente pessoas sob pressão, num julgamento… -, mas quando os diálogos são escritos por Sorkin tudo soa plausível. Ainda estou para ver um filme escrito por ele que sejam só actores sentados a falar entre eles. Poderá ter 9 horas e poderá ser sobre o ciclo de reprodução do cavalo-marinho, não quero saber. Seria o meu filme favorito.

Os 7 de Chicago tem então um leque de personagens que nunca mais acaba. Há os sete acusados (entre eles os humoristas Abbie Hoffman e Jerry Rubin (excelente Sacha Baron Cohen e Jeremy Strong), líderes estudantis ou activistas pacifistas), o líder dos Panteras Negras que foi incluído no grupo por não ter unhas (Yahya Abdul-Mateen II), o advogado de defesa (Mark Rylance), o advogado de acusação (Joseph Gordon-Levitt), o juiz (Frank Langella) e, pelo meio, ainda há de vir Michael Keaton numa participação rápida, mas marcante. Uff… até estou cansado. Mas o certo é que Aaron Sorkin consegue arranjar espaço para todos e não há nenhuma personagem que não seja de corpo cheio. E o filme nem tem mais do que duas horas… Eis alguém que consegue enfiar o Rossio na Betesga.

A câmara flutua em longos planos sequências por entre a sala de audiências, apanhando os vários diálogos da sala, como diria Muhammad Ali: flutuando como uma borboleta e picando como uma abelha. O ritmo é alto, mas nunca ao nível cocainado de Martin Scorsese, o que ajuda a manter legível todo o filme, sem ser necessário ir tirando notas do quem é quem.

Tudo isso são os principais trunfos de Os 7 de Chicago. E essa elegância liberta depois espaço para a mensagem do filme, a de como o poder político autoritário serve para abafar a verdade, retroceder direitos adquiridos e abafar vozes incómodas. Os 7 de Chicago é um dos grandes filmes de 2020, seja para se ver na sala de cinema, seja para se ver nas ruas. Depende do espectador onde quer comer o McBacon.

Título: The Trial of Chicago 7
Realizador: Aaron Sorkin
Ano: 2020

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