Quando o Pedro me enviou mensagem a perguntar se eu queria fazer um top 10 para 2020, a primeira reacção que tive foi: estrearam filmes este ano? E a segunda: ESTAMOS JÁ NO FIM DO ANO??
Portanto, fiz o que qualquer pessoa que tenta ser uma autoridade em filmes faz. Esperei que o resto do pessoal publicasse as suas listas e preparei-me para uma intensa semana de catch up, com o Natal pelo meio. Semana essa que, em três décadas de existência, nunca consegui fazer mais nada do que comer filhoses e afundar-me no sofá, mas esperança pessoal! É um ano sem precedentes, talvez as coisas mudem (nota: não mudaram).
Qual a minha surpresa quando começo a ver as listas e vejo o Parasita como número 1 na maior parte delas. Eh lá, pessoal. Batota. Isso saiu para aí há uma década atrás. Mas ok, já que estamos a jogar com filmes ali do limbo entre os fins de 2019 e os meses pré-pandemia, espetei uns quantos títulos no meu top que claramente não estrearam este ano. De resto, todos os outros títulos que adquiri legalmente foram postos num disco externo com a variante inglesa da covid-19 e levados numa viagem aérea claramente egoísta, anti-higiénica e insalubre para o único país do mundo que dá ao rissol de camarão o devido respeito.
Esta é a lista final que mostra o quão fora da graça dos deuses cinematográficos andei este ano, mas pronto, o Pedro precisa de conteúdo para o site e é Natal.
10º Lugar
Mank, de David Fincher
Se há prova de que a história do cinema é escrita por homens é tanta gente achar que O Mundo a Seus Pés é o melhor filme de sempre, quando é evidente a todos os não toldados por testosterona que o título pertence a Giras e Terríveis. Mas isto é Fincher e eu gostei do Caçador de Mentes e tenho um fraquinho pelo Gary Oldman desde que ele andava a fazer de hooligan no The Firm (deixem-me ir tomar um duche de água fria, já volto…).
Com diálogos de fazer inveja ao Oscar Wilde, Mank é melhor apreciado com um whiskey com gelo e depois de rever o O Mundo a Seus Pés. Com um meio muito mais forte que o início e o final, vale pela cinematografia, actores, tema (filmes sobre fazer filmes no studio system, yay!) e pela vontade que me deu de rever o Crepúsculo dos Deuses.
9º Lugar
Bait, de Mark Jenkin
Já que estamos numa de preto e branco, e tenho de apressar as minhas escolhas não-mainstream para manter a dignidade, deixem que vos apresente este filme de Mark Jenkin sobre uma aldeia piscatória na Cornualha e o choque da tradição de séculos com a gentrificação e indústria do turismo actual. Se não gostaram do O Farol, este filme não é para vós. Também recomendo fortemente legendas, que o sotaque não é para brincadeiras, apesar do diálogo ser escasso. Inclui: lagostas, barcos e SANGUE. SAAAANGUE.
8º Lugar
Tudo Acaba Agora, de Charlie Kaufman
Adoro um bom filme que não faz sentido quase nenhum, principalmente quando vou no meu segundo copo de Beirão. Conversas intelectuais? Sim. Personagens que aparecem e desaparecem? Sim. Pontas narrativas soltas que nunca são resolvidas? Sim. Sequência de dança que explica que raio se está a passar? Sim, sim, sim! Melhor só se tivesse uma raposa a aparecer do nada e a dizer chaos reigns. Mais um para nos lembrar que ir visitar os pais do parceiro/parceira é sempre uma ideia terrível.
7º Lugar
The Mole: Undercover in North Korea, de Mads Brügger
O único documentário que conseguiu chegar à minha lista este ano. Talvez não tenha tido grande apetite para realidades, que posso dizer. Mas felizmente fiz uma excepção para este, que o google me diz que é uma série mas MENTIRAS. DESLARGEM-ME. Realizado pelo Mads Brügger, dinamarquês que fez carreira de gozar com o governo norte coreano, aqui está uma partida elaborada que durou 10 anos e dois marmelos dinamarqueses que fingem ser quem não são para entrar dentro do país e conquistar a confiança dos oficiais. Tudo por uma boa gargalhada. Genial e aterrorizante.
6º Lugar
Atlantique, de Mati Diop
Como este era o espaço que tinha reservado para o Dune este ano, fiquem com um filme não ocidental com laivos de ficção científica sobre um monte de coisas que incluem a crise dos refugiados, racismo e o amor proibido. O menos que souberem sobre a coisa antes de a ver, melhor. Está na Netflix e tudo e é o primeiro filme de Mati Diop,
5º Lugar
Matthias & Maxime, de Xavier Dolan
Sempre que vejo um filme do Xavier Dolan, penso que tenho de arranjar tempo para ver os outros todos e depois esqueço-me. Aqui está ele mais uma vez, a dar cartas com narrativas pejadas de pequenos detalhes emocionais que tornam toda e qualquer história imediatamente relacionável. O tópico? Dois bons amigos nos seus vinte e poucos anos, prestes a embarcar numa nova etapa de vida, sem coragem de enfrentar os sentimentos que sentem um pelo outro. Aww.
4º Lugar
The Wolf of Snow Hollow, de Jim Cummings
O novo filme de Jim Cummings é o que os americanos chamam de terrédia. Não, nem por isso, mas deles esperamos tudo, não é? Uma comédia com elementos de terror muito à Um Lobisomem Americano em Londres e com um lobisomem também, não é o Thunder Road, mas cai que nem um digestivo depois da consoada. Apesar de ter ficado distraída pelos caninos aguçados do Cummings durante boa parte do filme (e deliciada pela recusa da sua personagem de play ball e entrar no género sobrenatural), ficou talvez como um dos meus filmes preferidos de lobisomens de todo o sempre, pelos lados do Tentadora Tentação mesmo.
3º Lugar
Kajillionaire, de Miranda July
Todos os anos há aquele filme que eu vejo umas horas antes de escrever isto e que acaba sempre por entrar na parte de cima deste top. Este ano calhou a esta pérola realizada pela Miranda July, com o seu cheirinho de Harmony Korine e Todd Solondz. E sim, aquela é a Evan Rachel Wood. Lentamente progredindo do super estranho para um quentinho emocional de leite e bolachas depois da escola, quase que senti coisas, amigos. Quase. Também foi bom rever a Gina Rodriguez no seu pós-Virgem Jane/estranhos filmes de ficção científica que sabem a vegemite.
2º Lugar
Borat, o Filme Seguinte, de Jason Woliner
Se me dissessem no início do ano que ia ter um filme do Sacha Baron Cohen nesta lista, eu não ia acreditar. Primeiro, porque este filme apareceu do nada, qual menino Jesus ou Anakin Skywalker. Depois, porque o meu street creed não tolera estas coisas. Já é mau todos os filmes deste lado da lista serem a cores e em widescreen. Um filme populista? Eu?? Mas não posso lutar mais contra a realidade, que é: eu gostei muito, muito de ver isto e soube a pato. Não sei se é o facto de Cohen ter ido além da caricatura desta vez, ou se foi aquela cena fantástica na conferência de mulheres republicanas, mas bolas. Ficas aqui com o segundo lugar e não digas que daqui não levas nada.
1º Lugar
Retrato de uma Rapariga em Chamas, de Céline Sciamma
Previsivelmente, o filme de que mais gostei este ano veio das semanas onde ainda podia ir para o pub lamber o chão e tossir para cima das fossas nasais de desconhecidos no metro. Da interpretação de Adèle Haenel à cinematografia, música, guião, realização, química entre personagens… pronto, podia ter perdido certos detalhes daquela cena final, mas a perfeição é aborrecida. Vai ser difícil fazer o próximo filme, Céline Sciamma, que as expectativas vão estar altíssimas. Pelo menos as minhas estarão.
MENCÇÕES HONROSAS
Dick Johnson is Dead. Os 7 de Chicago. Shirley. As breaking news diárias da BBC. O mapa do coronavirus da John Hopkins, onde passei grande parte do meu ano. A invasão do Tiktok pelos meus contemporâneos millenials. O cinema onde planeava ver o Tenet arder na semana anterior à minha sessão (os deuses não me querem a ver minor Nolan). Pão de banana. O Antiviral Wipe do Charlie Brooker. O Parasita a ganhar melhor filme. A estátua de Edward Colston submersa nas docas de Bristol. A vacina. A quase semana de sofrimento a olhar para os EUA e ficar muito feliz de eles terem eleito mais um velho branco centrista.
COISAS QUE NÃO PERCEBO COMO É QUE OUTROS GOSTAM E CLARAMENTE DEMONSTRA A FALTA DE GOSTO DELES
Frutas cristalizadas. Porquê? Já não sofremos o suficiente este ano??