| CRÍTICAS | Possessor

Diz o adágio que filho de peixe sabe nadar. É certo que ninguém se atreve a duvidar da sabedoria popular (era só o que faltava!), mas caso alguém ainda tenha dúvidas sobre a veracidade deste ditado basta ver a carreira de Brandon Cronenberg. Em dois filmes, não só segue as pisadas do Cronenberg pai em dois títulos igualmente bons, como continua a explorar o body horror que se tornou na imagem de marca de David.

Possessor passa-se num futuro hipotético, em que Tas (Andrea Riseborough) é uma assassina a soldo que, através de uma máquina esquisita, se projecta no corpo de alguém que utiliza como hospedeiro para assassinar o seu alvo. Depois, suicida-se e regressa ao seu próprio corpo. A premissa é boa e dá para muitas abordagens. Por exemplo, com um Tom Cruise como protagonista, podia ser um blockbuster de octanas elevadas no sangue, tipo Esquecido ou Relatório Minoritário. Mas estamos a falar de um filme de Brandon Cronenberg. Lembram-se de ter mencionado body horror no parágrafo acima?

Tas começa então a vacilar. A sua saúde mental começa a falhar com tantos saltos corporais e a sua mente começa a ter glitchs. Também não ajuda o facto de ter de esconder a sua profissão do marido (Rossif Sutherland). Philip K. Dick havia de adorar isto. Além disso, Tas começa também a desenvolver um estranho fascínio mórbido em esventrar e chacinar com requintes de malvadez as suas vítimas. Por isso, no seu novo caso, em que assume a identidade de Colin Tate (Cristopher Abbott), as duas personalidades vão entrar em choque e Tas não vai conseguir premir o gatilho para se suicidar, ficando presa num limbo em que duas personalidades lutam pelo controle do mesmo corpo. Nunca a temática do duplo havia sido explorada assim.

Possessor tem um aspecto muito clean e mexe-se numa espécie de transe, que faz lembrar Crash, outra experiência bastante imersiva. Contudo, depois o filme rebenta em explosões gore, com Brandon Cronenberg a estar tão fascinado com fluídos corporais quanto o pai. Há sangue e há sémen, mas há também as facas a perfurar a pele quase com um prazer doentio, que ajuda a tornar tudo ainda mais perturbador. E depois, como o Tio Xunga escreveu aqui mesmo neste espaço, é um filme de uma total desesperança, sem qualquer possibilidade de redenção, esvaziado em amoralismo, tão frio quanto violento. Um Le Big Mac tão bom quanto repugnante (quando repugnante é um elogio).

Título: Possessor
Realizador: Brandon Cronenberg
Ano: 2020

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *