Além de ter sido uma personalidade fundamental na história da civilização moderna, Nikola Tesla foi uma figura fascinante. O sérvio foi um dos grandes cientistas de sempre (o maior?), de elevado espírito humanista, mas que nunca granjeou de grande fama, porque sempre se preocupou mais com o altruísmo das suas invenções do que em ter boa imprensa. E por isso é que, se pesquisarem no google por Tesla, encontram pouco mais de 34 milhões de resultados; e, se procurarem por Thomas Edison (seu contemporâneo e uma espécie de rival na “descoberta” da electricidade), encontram 64 milhões de resultados. Quase o dobro.
No entanto, Nikola Tesla tem recuperado o seu prestígio e reconhecido merecido graças à internet e aos geeks de redes sociais como o Reddit ou o 9Gag. Aliás, Elon Musk utilizou inclusive o seu nome para baptizar a sua empresa de automóveis eléctricos, um dos principais símbolos dos empreendedores desta vida. Por isso, só espanta que Hollywood não tenha ainda aproveitado este crédito acumulado para fazer um grande filme biográfico (obviamente que há O Terceiro Passo, com David Bowie de Tesla, mas numa adaptação livre e breve). Este chegou agora pela mão de Michael Almereyda, mas dizer que é um grande biopic (em termos de orçamento ou mesmo em termos de qualidade do filme) é, no mínimo, um pleonasmo.
Almereyda é um dos realizadores mais à frente deste tempo e um dos mais inventivos, que não se deixa limitar por géneros ou convenções fílmicas. Por exemplo, a informação sobre os resultados das pesquisas no Google sobre Tesla e Edison, que mencionei no primeiro parágrafo, são dadas pelo filme, por uma das personagens que dialoga directamente com o espectador, derrubando não só a quarta parede, mas todas as noções de temporalidade. Existirão ainda outros sinais pontuais de anacronismo, como um telemóvel aqui ou uma garrafa de Coca-Cola acolá (quer dizer, se calhar a Coca-Cola não é assim tão anacrónica…); sempre que é preciso um decór substitui-se as limitações do filme de época por um cenário projectado ou pintado (como já fazia em Experimenter, por exemplo); e a linearidade narrativa não é necessariamente respeitada. Contudo, nada nos prepara para que, já perto do final, Nikola Tesla saque de um microfone e faça um karaoke de Everybody Wants to Rule The World, dos Tears for Fears(!).
Como se esta sensação de estranheza não fosse já o suficiente durante todo o filme, também Ethan Hawke decide entrar no jogo e toda a sua representação de Tesla é uma espécie de sonambulismo sensorial. É através da imersão neste universo (semi)alternativo que conseguiremos entrar na mesma sintonia de Almereyda, com todos os seus toques artsy, anacronismo e, sejamos honestos, alguma diarreia mental. Contudo, não é fácil passarmos essa porta.
E, no meio disto tudo, onde fica o biopic de Nikola Tesla? Em não muito melhor estado, diga-se. Michael Almereyda tenta fazer uma panorâmica abrangente da sua vida e obra (especialmente a obra, porque a sua vida, tirando um breve resumo comentado da sua infância e adolescência pela mesma narradora que nos fala dos resultados do google), focando-se nas suas principais invenções e na sua rivalidade com Thomas Edison (Kyle MacLachlan). Contudo, parte do pressuposto que sabemos todos, à partida, o que é um Tesla coil, qual a diferença entre a corrente alternada e a corrente contínua ou como funciona um campo magnético rotativo.
Ou seja, ouvimos muito palavreado técnico na maior parte das vezes, mas nem sempre temos a certeza do que significa. Percebemos que Edison está a aproveitar-se das suas patentes (e Marconi) e que há uma tentativa de descredibilização, mas são mais assunções que vamos tirando do que outra coisa. Tesla é um filme estranho e não faz jus ao nome do inventor sérvio. É um falhanço glorioso, mas de alguém que se está claramente a borrifar para o que achamos dos filmes dele. E essa confiança é o brinde dentro deste Happy Meal.
Título: Tesla
Realizador: Michael Almereyda
Ano: 2020