| CRÍTICAS | Nomadland – Sobreviver na América

Já todos vimos Roger e Eu para saber como as coisas acontecem. Uma empresa fecha (ou é realocada, no caso) e toda uma cidade cai na pobreza extrema, já que era totalmente dependente da economia criada. No caso de Frances McDormand, em Nomadland – Sobreviver na América, foi ainda pior. A mina onde trabalhava não só fechou, como a própria cidade de Empire colapsou. Até o seu código postal foi cancelado.

Viúva e sem emprego, Frances McDormand abraçou um novo estilo de vida, que é seguido por milhares de norte-americanos, metade por convicção e metade por necessidade – o do nomadismo. Ou seja, vivem nas suas próprias caravanas e saltam de estado em estado, vivendo de trabalhos sazonais e nem por isso muito bem pagos (apanhar beterraba aqui, empacotar as encomendas da Amazon ali, trabalhar em restaurantes de fast food acolá). É todo um circuito de auto-ajuda e companheirismo, de quem é houseless e não homeless. No fundo, é o mesmo que ser um digital nomad, mas sem o charme de estes novos conceitos dourados pelo capitalismo.

Frances McDormand levou Nomadland – Sobreviver na América muito a sério e abraçou este estilo de vida durante meses, vivendo na carrinha e fazendo o mesmo tipo de trabalhos braçais temporários e exploradores. A Amazon até tem um programa, o CamperForce, especialmente para estas pessoas que vêm empacotar encomendas para eles e vivem nas caravanas(!), vendido como se fosse o idílio na Terra. Aliás, vê-se o site e parece que estão a vender um resort nas Maldivas. Mais, os próprios até aceitaram participar no filme, a ver se angariam mais gente.

Isto significa que o filme de Chloé Zhao é uma espécie de ficção do real, em que os limites da ficção e do documentário se contaminam, sem se perceber onde termina um e começa o outro. Por isso, existem várias historias de produção deliciosas, com os vários actores não-profissionais do filme (que todos se interpretam mais ou menos a si próprios), que não fazendo ideia quem era Frances McDormand acreditavam na sua personagem e lhe davam os pêsames pela morte do marido. Sem saberem, estavam-lhe a reservar o Oscar.

Nomadland – Sobreviver na América é assim um filme de grande fôlego e de um grande trabalho de fundo, sem ter propriamente uma história que o suporte. É mais um fresco sobre esta comunidade, que vive no meio do nada ou em parques de campismo nas badlands e que, tal como aquele filme belíssimo chamado precisamente Badlands (Os Noivos Sangrentos, em português), nos dá dezenas de planos incríveis durante a hora mágica. Existe depois um ténue fio narrativo, com o romance a tentar trazer de volta à vida convencional Frances McDormand, que serve para fazer o filme avançar e que, curiosamente, é a parte menos interessante.

No final, Nomadland – Sobreviver na América tira ainda uma radiografia a uns Estados Unidos invisíveis, que têm a particularidade de serem captados por uma realizadora estrangeira. Automaticamente, Chloé Zhao torna-se numa das mulheres mais requisitadas de Hollywood da actualidade e a Marvel nem sequer perdeu tempo. Ainda nós não digerimos este McBacon e já ela está a fazer os Eternals.

Título: Nomadland
Realizador: Chloé Zhao
Ano: 2020

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