Imaginem uma sociedade secreta, que se pode chamar ou A Firma, onde ricaços, mafiosos e outros donos-disto-tudo, sempre que têm um problema, contratam um assassino para resolver a situação à força, mas com discrição. Agora imaginem o mais implacável dos assassinos, uma máquina de matar com qualquer arma (inclusive com as mãos), capaz de resolver qualquer problema sozinho. Agora que já acabaram de imaginar o John Wick, imaginem um caso extremo em que até ele não conseguia solucionar, e que era preciso chamar outra pessoa ainda mais mortífera, infalível e impiedoso: esse alguém seria Samantha (Karen Gillan).
Passamos os primeiros 25 minutos de Gunpowder Milkshake – Mistura Explosiva, filme claramente inspirado no universo John Wick (em que até há uma safe zone que, em vez de ser o hotel Continental, é um diner), a explicarem-nos como Samantha é isso tudo. Há um curto flashback, com Paul Giamatti, em em que o realizador Navot Papushado nos explica a origem de Samantha (e da sua mãe, Lena Headey, igualmente mortífera e implacável), mas tudo o resto serve para nos ir aumentando os níveis de ansiedade sobre as competências de matar de Samantha. E, quando isso acontece, numa cena de porrada em que a câmara desliza lentamente num pan horizontal, percebemos imediatamente que a coisa não vai acabar bem.
É que a) Karen Gillan não tem qualquer fighting skills e b) as coreografias são do mais aborrecido que há. Tendo em conta que Gunpowder Milkshake – Mistura Explosiva nos promete matança do porco, bodycount elevado e muito karaté, a desilusão não podia ser maior. Até porque a personagem de Gillan, com toda a sua tolerância à dor e uma suposta capacidade de matar um batalhão de homens mauzões com o recurso a um cotonete, depois não tem nada a ver com o que o filme nos mostra. Com isto, quem é que ser saber do universo altamente estilizado que Navot Papushado tenta construir, misturando uma espécie de tom de fábula, com muitos neons, arquitectura barroca e outras coisas que não combinam particularmente bem? Pois, é difícil dizer.
Imaginem que encomendam o dvd de John Wick do site da Wish. O que receberão em casa é Gunpowder Milkshake – Mistura Explosiva, uma versão genérica de quase tudo o que é filme de acção. Os diálogos são uma versão ainda pior de um George Lucas a fazer um frete e o argumento, com muitos twists e contra-twists a envolver gangsters e reis do crime (aqui é Ninguém que é pilhado desavergonhadamente), vai puxar os clichés todos que até Guy Ritchie consegue usar de forma mais original. Eu sei que isso parece impossível, mas Navot Papushado prova que não é.
A parte mais interessante de Gunpowder Milkshake – Mistura Explosiva é o drama maternal que envolve mãe e filha, depois de Lena Headey regressar e trazer ao de cima todos os traumas recalcados de Karen Gillan, redefinindo todo o conceito de daddy issues. Mas a personagem de Headey cai do céu por não ter unhas e, como todos os outros conflitos do argumento, também este é resolvido da forma mais simples de todas, como se o filme tivesse sido escrito num workshop de argumentos para jovens do ciclo.
Nem sequer como filme feminista Gunpowder Milkshake – Mistura Explosiva serve, porque aqui a luta de sexos não tem nada a ver com sexualidade. É tudo meramente ilustrativo ou vagamente sugestivo, resolvido sempre da forma mais fácil ou evidente, sem qualquer esforço do que quer que seja. Navot Papushado viu a trilogia do John Wick, viu o Ninguém e viu toda a série do Kingsman – Serviços Secretos, mas parece que apenas conseguiu reter o pior dos filmes. E depois é a nós que sai a fava, que é como quem diz, a Hamburga de Choco.
Título: Gunpowder Milkshake – Mistura Explosiva
Realizador: Navot Papushado
Ano: 2021