Se havia herói da Marvel que sabíamos que iria ter um filme em nome próprio, mais cedo ou mais tarde, esse herói era a Viúva Negra, porque Scarlett Johansson. Mesmo assim foi preciso o sucesso de bilheteira de Mulher Maravilha, da DC, para a Marvel avançar com o filme, que se passa ali entre os últimos dos Vingadores. Imediatamente a seguir veio Charlie Cox, o Demolidor da série da Netflix, lembrar que, nos livros, a sua personagem tem uma relação com a Viúva Negra e o universo cinemático devia aproveitar isso. Ao mesmo tempo, Anthony Mackie procurou convencer a Marvel de que o que fazia mesmo falta era uma side story amorosa entre o Falcão e a Viúva Negra. Chamem-lhes parvos…
Como qualquer filme a solo que se preze, Viúva Negra começa por fazer a origem da heroína soviética que, apesar de ter sido formada com a lavagem ao cérebro da cassete comunista, desenvolveu um fraquinho pelos Estados Unidos e desertou para a SHIELD. Menos sorte teve a sua meia-irmã, Yelena (Florence Pugh), que viu a sua mente condicionada por uns avanços científicos neurológicos, que só são desbloqueados por um soro algo ridículo. Finalmente, quando se libertou da subjugação russa e descobriu o quão bom era o maravilhosos e perfeito ocidente, Yelena procurou a meia-irmã para a ajudar a matar o terrível Dreykov (Ray Winstone), o tipo responsável pelo programa soviético de condicionamento de várias agentes, tão treinadas quanto submissas. E, apesar de andar a escapar à justiça depois de ter violado os Acordos de Sokovia em A Era de Ultron, Scarlett Johansson arranja tempo e forma de ir resolver este berbicacho.
Tendo em conta a temática desta backstory, o tom de Viúva Negra é inevitavelmente o dos filmes de espiões. James Bond é, claro, o molde para qualquer filme deste género, se bem que estamos a falar numa versão vitaminada, como se o Michael Bay decidisse fazer o próximo 007. Não é por acaso que há uma piscadela de olho a 007 – Aventura no Espaço, o episódio do James Bond mais… exagerado de todos. Aliás, no final, acabaremos por descobrir que Dreykov vive mesmo numa base voadora(!), acima dos radares, de forma a não ser detectado pelas autoridades, como Michael Lonsdale em 007 – Aventura no Espaço.
Como Viúva Negra chega com atraso, a Marvel aproveitou para fazer já a ponte com a nova geração de filmes e promover Florence Pugh, que tem quase tanto tempo de antena quanto a irmã. Aliás, na habitual cena pós-créditos, parece mesmo que vamos ter uma futura Viúva Negra muito em breve. Quanto à família Marvel, existem duas novas aquisições: David Harbour e Rachel Weisz, os agentes soviéticos e “pais empestados” de Scarlett Johansson. E se esse passado enquanto agentes duplos, em plena Guerra Fria, é o melhor do filme, por outro lado os estereótipos exagerados até à caricatura deixam muito a desejar. É que Viúva Negra é um daqueles filmes em que todos os russos não só têm um forte sotaque, como bebem vodka em qualquer situação que possam, por exemplo.
Viúva Negra é assim um filme sobre a família e sobre a amizade (ou sobre como a família verdadeira não é aquela que o sangue nos determinou, mas sim a que a vida nos proporciona), ou não fossem todos aqueles agentes secretos órfãos precoces, retirados às famílias em nome do Estado e da Nação. Contudo, a realizadora Cate Shortland parece ter medo que não percebamos a mensagem e repete-a de 5 em 5 minutos. Literalmente! A coisa é tão opressiva que às tantas damos por nos a gritar para o ecrã que já percebemos e para nos deixarem da mão.
Mas onde Viúva Negra se espalha ao comprido é no acto final, quando as duas heroínas chegam à base de Dreykov e arrancam num frenesim de destruição, explosões e irrealismo que deixariam o Michael Bay orgulhoso. Se um dia fizerem a tal sequela de Velocidade Furiosa no espaço, será mais ou menos assim, seguramente. É que Scarlett Johansson e Florence Pugh lutam no ar, em queda livre, saltando sobre os destroços da tal base voadora que se desmorona, sem sequer se despentearem. Uma patetice que faz o 007 – Aventura no Espaço parecer um documentário. E o que se torna ainda mais incrível tendo em conta que este é um filme sem um vilão digno desse nome. O Treinador, de Olga Kurylenko, era suposto ocupar esse papel, mas passa completamente ao lado de um filme em que a única coisa a que consegue afincar o dente é um Happy Meal.
Título: Black Widow
Realizador: Care Shortland
Ano: 2021