Tão fatal quanto levar com uma zaragatoa pelo nariz acima por estes dias, aqui vai a minha lista de melhores filmes de 2021. Com a adenda, contudo, de que não consegui ver títulos como France, O Último Duelo e O Poder do Cão porque decidi gastar dinheiro a ver o Casa Gucci, The King’s Man – O Início e a família decidiu rever o E Tudo o Vento Levou e Meg – Tubarão Gigante no dia de Natal em vez da minha sugestão do Titane.
2021 foi o ano em que consegui voltar a sentar-me num assento de cinema coberto de pipocas pegajosas e, por coincidência absoluta, também o ano em que comecei a considerar que o assassinato é justificável quando pagas 10 libras para se sentar no escuro e está alguém na fila à tua frente a fazer scroll do Instagram, com a luz do display no máximo. Sempre bom voltar à verdadeira magia do ecrã gigante e do inferno serem os outros.
Sem mais demoras que sabemos lá o que 2022 nos reserva, mas não pode ser bom, temos:
10º Lugar
Petite Maman, de Céline Sciamma
O que à primeira vista parece uma invocação nostálgica da infância, com cottagecore à mistura de uma reflexão sobre dinâmicas familiares, rapidamente se transforma em – pasme-se – uma fantasia lowcore com laivos de Regresso ao Futuro, mas sem paradoxos temporais. Docinho sem enjoar, curto (o que é uma maravilha quando todos os filmes dos últimos tempos são em doses americanas) e a mostrar Sciamma com total domínio do seu estilo subtil de realização, Petite Maman é aquele after eight fresquinho depois da consoada.
9º Lugar
100% Camurça, de Quentin Dupieux
Se a marca de um grande filme é não conseguir parar de pensar nele, então esta, er, ‘coisa’ de Quentin Dupieux é um senhor filme (o imdb está aos gritos que é de 2019, mas como foi o meu primeiro filme em sala de 2021, vou ignorar). Georges (Jean Dujardin) decide ser o único homem do mundo a usar casaco e, na sua excelsa e divina missão, tem o apoio de Denise (Adèle Haener), uma empregada de balcão com pretensões a ser a próxima Schoonmaker. Só para ver estes dois actores de filmes sérios e oscarizáveis a dar tudo por tudo a esta história surreal vale os 77 minutos, apesar do final ser mais Monty Phyton do que Dupieux.
8º Lugar
Pig – A Viagem de Rob, de Michael Sarnoski
No ano em que os animais da quinta andaram na berra (Gunda, Lamb e este), Nicholas Coppola Cage resolve surpreender tudo e todos ao fazer o impensável e mostrar que, no fim de contas, é um excelente actor, caso nos tenhamos esquecido. Desesperem aqueles que estavam à espera de outro Mandy ou que, pela descrição do filme – homem procura porco de estimação raptado –, sentaram o rabinho no sofá para ver uma variação do John Wick – Pig – A Viagem de Rob é uma elegia à forma como todos lidamos de maneira diferente com a perda de entes queridos, ao verdadeiro significado de boa comida (com uns ataquezinhos à culinária show off) e ao conceito de vingança como prato que se serve frio.
7º Lugar
The Sparks Brothers, de Edgar Wright
Nem seria uma lista minha se não tivesse um documentário ou dois. Edgar Wright, não contente em só estrear A Noite Passada em Soho este ano, resolveu prestar homenagem ao seu grupo cult preferido, The Sparks, e, no entretanto, brincar com o formato rockumentário. Pouco ou nada se sabia sobre Ron e Russell Mael antes deste filme e não se sabe muito depois, mas são duas horas bem passadas a contemplar o bigode à Hitler de Ron e o sex appeal de Russell, assim como a injustiça que é estes dois não terem mais projecção internacional fora dos círculos de music nerds. O grande problema deste filme é que me deu vontade e alento para inchar num bilhete para ver o Annette e isso, minhas senhoras e senhores, não sei se vou perdoar.
6º Lugar
Titane, de Julia Ducournau
Espantem-se os deuses dos filmbros e seguidores do Robert Eggers, o Titane fica-me aqui em sexto, pelo único detalhe de que não, não é tão bom como o Raw. Talvez tenha de puxar aqui a minha gender card e dizer que sim, gosto muito de exploitation tits and ass tanto como qualquer amante de cinema underground, mas a minha linha limite para o body horror estará talvez em ver uma barriga de grávida err, [spoiler] desfiar-se [end of spoiler] em toda a sua glória. E enquanto que Raw tinha, perdoem, dentes e subtexto, aqui, além da exploração de mulher vs máquina que desenvolve para uma reflecção sobre os papéis de género, tudo parece um pretexto para UMAS CENAS EXTREMAMENTE BARIS COM UMA BANDA SONORA DO CARAÇAS. Que o são, não há maneira de o negar. E às vezes é tudo o que é preciso para ser memorável.
5º Lugar
As Férias Loucas de Barb e Star, de Josh Greenbaum
Há um género cinematográfico bastante específico que pode ser descrito academicamente como filme de domingo à tarde na SIC. Desde os anos 90 que este género se tem vindo a deteriorar, seja pelo cinismo crescente da nossa civilização enquanto um todo, seja pelo culto do filme sério como único que merece atenção e respeito, ou seja, mesmo pela expectativa de humor ter sido transferida para os filmes de fantasia de super-heróis e coisinhas vomitadas pelo Judd Apatow. Seja como for há muito tempo que não tínhamos um filme como As Férias Loucas de Barb e Star, uma explosão de cor, desencontros amorosos e piadas visuais over the top, que vão desde o melhor videoclip com gaivotas que verão na vida até Kristen Wiig armada em Mike Myers ao interpretar ao mesmo tempo o protagonista e antagonista. Ideal para quem quer desligar o cérebro durante umas horas e rir um bocado, esquecendo o que se passa à nossa volta, sem dar dinheiro ao senhor Mouse.
4º Lugar
Inside, de Bo Burnham
Num ano sem precedente, o melhor será mesmo dar o quarto lugar a um especial de comédia. Ou melhor, comédia*. Porque o que Bo Burnham faz aqui é a condensação da essência da pandemia e do confinamento, para que quando os nossos netos nos perguntarem, ó avó como é que foi o covid-19?, tudo o que temos a fazer é carregar no play projection dos nossos Dispositivos Oculares Meta e mostrar este especial (ao que eles responderão, ó vó, não tens de carregar em nada, ora essa, basta pensar! e passa em bluetooth para o meu dispositivo, já te expliquei milhentas vezes). Numa verdadeira one man band de fazer inveja, Burnham utilizou tudo o que sabe dos seus anos no Youtube e especiais de comédia para criar algo realmente especial. Uma verdadeira obra-prima sobre depressão e humanidade do homem que nos deu Oitavo Ano e citações como Swallow bitch there are children starving in Africa.
3º Lugar
In the Same Breath, de Nanfu Wang
Mais viral que a pandemia, só mesmo os documentários sobre a pandemia. E por isso há que louvar aqueles que conseguem definitivamente acrescentar algo de novo ao que todos vimos escarrapachados no sofá durante os primeiros meses de 2020. A realizadora Nanfu Wang, no Natal de 2019, voou como sempre para Wuhan com o marido americano e o filho bebé para passar o Natal em família. Quando regressou depois do ano novo, assistiu chocada às notícias que passavam na televisão. E decidiu contratar documentaristas chineses locais para trazer ao mundo o lado não oficial do que, ela julgava na altura, era sobretudo um problema local. Com imagens da clínica médica ao lado do infame wet market em Dezembro de 2019, pessoas que arriscaram a vida para dizer a verdade às câmaras, e um súbito erguer de espelho à frente do mundo ocidental, In the Same Breath não é um filme fácil de ver, mas é necessário.
2º Lugar
Limbo, de Ben Sharrock
Omar, sírio, aguarda que o governo britânico lhe dê um visto de trabalho enquanto espera numa ilha remota escocesa com outros refugiados. Qualquer outro realizador levaria esta premissa para o lado habitual (vide lamechas, sério, desenhado para nos fazer sentir uns trapos cheios de privilégios), mas qualquer outro realizador não é Ben Sharrock, aqui com a sua primeira longa-metragem. Além de um guião que consegue inserir um toque de comédia absurdista sem fugir do lado negro da realidade e de excelentes actores desconhecidos (especial destaque para Vikash Bhai e o seu personagem Farhad, que é absolutamente obcecado com Freddie Mercury), a mise-en-scène de Sharrock, que realça a imensidão e beleza árida da paisagem em contraste com a identidade pessoal perdida do seu protagonista, é um ponto fortíssimo no filme, deixando cair a história a conta-gotas que a audiência bebe sofregamente.
1.º Lugar
Dune – Duna, de Denis Villeneuve
Não andei na universidade a estudar cinema polaco dos anos 80 para dar o meu primeiro lugar a um mega blockbuster que nem sequer completo está, mas aqui estamos, a colocar o Lawrence da Arábia in space em número 1. Um dia o Villeneuve irá fazer um filme mau, mas enquanto isso não acontece, nós, fãs da ficção científica hardcore, estaremos cá a babar-nos com tudo o que ele fizer. Até o Timóteo Croissant ou lá como ele se chama se revelou a escolha perfeita para o ennui adolescente do Paul Atreides. Deuses, até o HANS ZIMMER decide abandonar os leitmotifs que tem andado a espremer há duas décadas para nos dar uma banda sonora que é uma verdadeira obra de arte. Quantos filmes de três horas vocês conhecem que saibam a pouco? Três horas! A ver minhocas gigantes na areia e metáforas pouco dissimuladas sobre o colonialismo militar americano/Hannoken e o quão bonzinhos são os Europeus/Casa Atreides. E soube a pouco. Vou dizê-lo agora – a única razão porque não podemos dizer que o Villeneuve é o novo Kubrick é porque o canadiano não é um robot sem sentimentos.
Menções Honrosas
Lamb, que apesar de tudo não me conseguiu encher as expectativas do trailer; Mais Uma Rodada, porque alcoolismo escandinavo tem outro nível; The Painter and the Thief, do ano passado, mas não merece perder-se; Listening to Kenny G, se um dia for descoberto que o Kenny é um Zodiac Killer não ficarei surpreendida; a série Kevin Can Fuck Himself, a coisinha mais meta e comédia negra do ano passado e, claro está, o delicioso reality show que é Selling Sunset, mais a sua super mega-vilã Christine Quinn.
Filmes Que Desiludiram
A Lenda do Cavaleiro Verde, que talvez precise de mais uns visionamentos do meu lado; Spencer, que me fez descobrir que eu afinal não gosto nada do Pablo Larraín; e Annette, para cujo visionamento, infelizmente, não há vacina, e fica como o meu filme mais odiado do ano.